São Paulo, quinta-feira, 22 de abril de 2010

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Morte de Samaranch reabre polêmica

Presidente do COI por 21 anos, dirigente levou profissionalismo à Olimpíada, mas teve gestão de pouca transparência

Defensor da ditadura de Franco, espanhol expandiu, financeira e esportivamente, os Jogos e se manteve ativo até o fim da vida, aos 89 anos

ROBERTO DIAS
EM BARCELONA

A morte do espanhol Juan Antonio Samaranch, ontem, reacendeu a complexa discussão sobre o legado de um homem que mudou a cara do esporte, mas deixou também um rastro de escândalo e polêmica.
Ele presidiu o Comitê Olímpico Internacional durante 21 anos, de 1980 a 2001. Só Pierre de Coubertin, que fundou Movimento Olímpico, esteve no cargo por mais tempo.
Foi Samaranch quem comandou os Jogos Olímpicos ao caminho do profissionalismo, renegando o velho conceito de "esporte amador" e abrindo suas portas para os melhores atletas do mundo, como Michael Jordan e Ronaldinho.
Foi também em sua gestão que o doping se tornou "o problema número um do esporte", na definição do seu sucessor e aliado, o belga Jacques Rogge.
O espanhol pôde comemorar o fim dos boicotes políticos aos Jogos -ele foi eleito justo no momento em que o governo Carter esvaziava a Olimpíada de Moscou ao não permitir a participação de americanos.
Usou sua habilidade política seguida vezes. Para fazer com que as duas Coreias desfilassem juntas na Olimpíada. Para trazer a China de volta após mais de quatro décadas de ausência e entregar a Pequim os Jogos de 2008. Para conseguir que as repúblicas soviéticas enviassem seus atletas aos Jogos de 1992, logo após o derretimento da superpotência.
Jogo de cintura que não brilhava tanto quando questionavam seu passado franquista.
Chegou a pedir, sem sucesso, que a rede de TV americana CBS, então parceira do COI, não divulgasse uma entrevista em que havia sido questionado sobre o assunto -apesar de dizer que não tinha vergonha da sua posição e de defender que a ditadura espanhola foi positiva.
Ex-jogador de hóquei sobre patins, originário de uma família de industriais catalães do setor têxtil, Samaranch ascendeu politicamente durante o regime de Franco. Seu grande pulo foi se tornar embaixador espanhol em Moscou. Ali buscou os votos do Leste Europeu que o levaram ao comando do COI.
Consagrou a tradicional frase das cerimônias de encerramento ("os melhores Jogos da história", que ele só deixou de dizer uma vez, após duas semanas de caos em Atlanta-96).
À Folha, pouco antes de comandar sua última Olimpíada (Sydney-2000), deixou clara sua visão do esporte: "Tudo depende de empreendimentos públicos. É preciso maior intervenção do governo. É um setor muito importante em qualquer política de educação".
Samaranch comandou no Movimento Olímpico um processo que guarda semelhanças com o que ocorria ao mesmo tempo no futebol, na gestão de João Havelange na Fifa.
Os Jogos se expandiram muito, em número de países e atletas. As mulheres ganharam espaço, tanto nas disputas quanto entre os dirigentes. O dinheiro entrou como nunca: os direitos de TV para Moscou-80 custaram US$ 88 milhões, e os de Pequim-08, negociados na sua gestão, US$ 1,7 bilhão.
"Samaranch foi o arquiteto de um Movimento Olímpico forte e unido", disse Rogge, o atual presidente do COI.
Com o dinheiro, veio um escândalo. Em 1999, dez membros deixaram o comitê sob acusações de venda de votos na escolha de Salt Lake City aos Jogos de Inverno-2002.
Demarcou-se nesse ponto uma das grandes críticas a ele: a profissionalização do esporte não chegou no mesmo ritmo à camada de cima. Ele deixou o COI sem mudar a imagem de um órgão pouco transparente e controlado por compadrio aristocrático de maioria europeia.
A imagem que ele realmente mudou foi a de sua terra natal, Barcelona. Ajudou a cidade na disputa pelos Jogos-92 e a fazer dela o palco da mais importante transformação urbana já provocada por uma Olimpíada.
"Graças à sua visão, a disputa pela sede dos Jogos se transformou numa corrida dos grandes países, envolvendo líderes mundiais", disse o presidente do Comitê Olímpico Brasileiro, Carlos Arthur Nuzman.
Um processo que chegou a um nível nunca visto antes na disputa pelos Jogos de 2016, no ano passsado, vencida pelo Rio. Samaranch apoiava Madri.
A eleição serviu para mostrar como Samaranch continuava ativo aos 89 anos. No mês passado, foi o principal convidado de um fórum mundial de esportes em Barcelona. No último domingo, após assistir à final do Masters 1.000 de Montecarlo de tênis (vencida por Rafael Nadal), sentiu-se mal e foi levado a um hospital, onde teve complicações cardíacas.
Seu funeral, hoje em Barcelona, deve reunir a família real e grande parte da elite política da Espanha e do esporte.


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