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Morte de Samaranch reabre polêmica
Presidente do COI por 21 anos, dirigente levou profissionalismo à Olimpíada, mas teve gestão de pouca transparência
Defensor da ditadura de
Franco, espanhol expandiu,
financeira e esportivamente,
os Jogos e se manteve ativo
até o fim da vida, aos 89 anos
ROBERTO DIAS
EM BARCELONA
A morte do espanhol Juan
Antonio Samaranch, ontem,
reacendeu a complexa discussão sobre o legado de um homem que mudou a cara do esporte, mas deixou também um
rastro de escândalo e polêmica.
Ele presidiu o Comitê Olímpico Internacional durante 21
anos, de 1980 a 2001. Só Pierre
de Coubertin, que fundou Movimento Olímpico, esteve no
cargo por mais tempo.
Foi Samaranch quem comandou os Jogos Olímpicos ao
caminho do profissionalismo,
renegando o velho conceito de
"esporte amador" e abrindo
suas portas para os melhores
atletas do mundo, como Michael Jordan e Ronaldinho.
Foi também em sua gestão
que o doping se tornou "o problema número um do esporte",
na definição do seu sucessor e
aliado, o belga Jacques Rogge.
O espanhol pôde comemorar
o fim dos boicotes políticos aos
Jogos -ele foi eleito justo no
momento em que o governo
Carter esvaziava a Olimpíada
de Moscou ao não permitir a
participação de americanos.
Usou sua habilidade política
seguida vezes. Para fazer com
que as duas Coreias desfilassem juntas na Olimpíada. Para
trazer a China de volta após
mais de quatro décadas de ausência e entregar a Pequim os
Jogos de 2008. Para conseguir
que as repúblicas soviéticas enviassem seus atletas aos Jogos
de 1992, logo após o derretimento da superpotência.
Jogo de cintura que não brilhava tanto quando questionavam seu passado franquista.
Chegou a pedir, sem sucesso,
que a rede de TV americana
CBS, então parceira do COI,
não divulgasse uma entrevista
em que havia sido questionado
sobre o assunto -apesar de dizer que não tinha vergonha da
sua posição e de defender que a
ditadura espanhola foi positiva.
Ex-jogador de hóquei sobre
patins, originário de uma família de industriais catalães do setor têxtil, Samaranch ascendeu
politicamente durante o regime de Franco. Seu grande pulo
foi se tornar embaixador espanhol em Moscou. Ali buscou os
votos do Leste Europeu que o
levaram ao comando do COI.
Consagrou a tradicional frase
das cerimônias de encerramento ("os melhores Jogos da história", que ele só deixou de dizer uma vez, após duas semanas de caos em Atlanta-96).
À Folha, pouco antes de comandar sua última Olimpíada
(Sydney-2000), deixou clara
sua visão do esporte: "Tudo depende de empreendimentos
públicos. É preciso maior intervenção do governo. É um setor muito importante em qualquer política de educação".
Samaranch comandou no
Movimento Olímpico um processo que guarda semelhanças
com o que ocorria ao mesmo
tempo no futebol, na gestão de
João Havelange na Fifa.
Os Jogos se expandiram
muito, em número de países e
atletas. As mulheres ganharam
espaço, tanto nas disputas
quanto entre os dirigentes. O
dinheiro entrou como nunca:
os direitos de TV para Moscou-80 custaram US$ 88 milhões, e
os de Pequim-08, negociados
na sua gestão, US$ 1,7 bilhão.
"Samaranch foi o arquiteto
de um Movimento Olímpico
forte e unido", disse Rogge, o
atual presidente do COI.
Com o dinheiro, veio um escândalo. Em 1999, dez membros deixaram o comitê sob
acusações de venda de votos na
escolha de Salt Lake City aos
Jogos de Inverno-2002.
Demarcou-se nesse ponto
uma das grandes críticas a ele:
a profissionalização do esporte
não chegou no mesmo ritmo à
camada de cima. Ele deixou o
COI sem mudar a imagem de
um órgão pouco transparente e
controlado por compadrio aristocrático de maioria europeia.
A imagem que ele realmente
mudou foi a de sua terra natal,
Barcelona. Ajudou a cidade na
disputa pelos Jogos-92 e a fazer dela o palco da mais importante transformação urbana já
provocada por uma Olimpíada.
"Graças à sua visão, a disputa
pela sede dos Jogos se transformou numa corrida dos grandes
países, envolvendo líderes
mundiais", disse o presidente
do Comitê Olímpico Brasileiro,
Carlos Arthur Nuzman.
Um processo que chegou a
um nível nunca visto antes na
disputa pelos Jogos de 2016, no
ano passsado, vencida pelo Rio.
Samaranch apoiava Madri.
A eleição serviu para mostrar
como Samaranch continuava
ativo aos 89 anos. No mês passado, foi o principal convidado
de um fórum mundial de esportes em Barcelona. No último domingo, após assistir à final do Masters 1.000 de Montecarlo de tênis (vencida por
Rafael Nadal), sentiu-se mal e
foi levado a um hospital, onde
teve complicações cardíacas.
Seu funeral, hoje em Barcelona, deve reunir a família real
e grande parte da elite política
da Espanha e do esporte.
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