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São Paulo, domingo, 22 de junho de 2003

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Gaddafi, o filho, agora é do Perugia

PETER POPHAM
DO ""THE INDEPENDENT"

Dizem que ele queria comprar o Liverpool, que sonhava em jogar no Manchester. Em vista de dificuldades locais ligadas aos nomes ""Yvonne Fletcher" e ""Lockerbie", esses sonhos não se realizaram.
No último domingo, porém, um jovem, alto e elegante bilionário chamado Al Saadi Gaddafi estava em Roma apertando a mão de Luciano Gaucci, e o Perugia ganhava um pedaço de história.
Gaucci é o dirigente que contratou o primeiro japonês a jogar na Itália (Nakata), o primeiro coreano (Ahn), o primeiro chinês e o primeiro iraniano. Possui talento comprovado para tirar de desconhecidos qualidades que ninguém mais enxerga e, mais tarde, vendê-los aos clubes mais ricos. Desta vez, porém, se superou.
Para Al Saadi, a aposta é de alto risco. Se fracassar, será exposto ao ridículo, humilhado. Dono, diretor e jogador do Al Ittihad, já demitiu um treinador italiano que teve a audácia de não escalá-lo. No domingo, porém, foi humilde. "Quero ser tratado como todos, num clima de competição saudável." O futuro treinador foi diplomático. ""Não posso dar opinião. Só o vi em ação uma vez. Mas já sei que é inteligente e flexível."
Gaucci desviou-se das perguntas sobre quem pagou a quem e quanto. ""Isso é secundário. Ele veio para cá por causa da paixão."
Sob alguns aspectos, Al Saadi é como outras descobertas exóticas de Gaucci. Mas, aos 30 anos, está um pouco além da idade de iniciar carreira na Itália. E é filho de Muammar Gaddafi, ditador da Líbia desde 1969, visto pelos EUA como bicho-papão da categoria de Saddam Hussein e Bin Laden.
Existem diferenças de opinião quanto ao talento do meio-campista, mas ninguém discute seu compromisso com o futebol. É declaradamente louco pelo esporte, nutre ambições imensas para a seleção de seu país e já fez mais do que qualquer outra pessoa para colocar o futebol líbio no mapa. Até convenceu seu pai a anular a proibição do esporte, que se tornou imensamente popular na Líbia e uma válvula de escape -há duas temporadas, um burro usando a camisa de Al Saadi foi empurrado para o campo durante uma partida sob aplausos.
Seu sonho é abrigar a Copa de 2010. ""Não temos doenças, a segurança é de alto nível." Mas, se Al Saadi quer que o mundo vá até a Líbia, ele também é louco para levar seu talento e dinheiro para o mundo -por quê, ninguém sabe.
Sondava o futebol italiano há anos. Sua iniciativa mais notável até agora tinha sido aproveitar a crise financeira da Fiat para comprar 7,5% da Juventus -hoje o clube ostenta na camisa o nome da petrolífera líbia, Tamoil.
Ao mergulhar de cabeça no Perugia, Al Saadi tenta algo muito diferente. É a primeira vez que aposta seu talento fora do país em que a palavra de seu pai é lei.
Os treinos começam em julho. Se se mostrar incapaz, o clube tem a opção de mandá-lo embora até setembro. Agora, no caso improvável de revelar-se, a pergunta ainda fica no ar: para quê tudo isso? E por que papai concordou?
Uma pista para a resposta está contida na observação que Gaucci fez ao ""Il Messaggero" neste ano. ""Sou amigo de George Bush."
Nos últimos cinco ou seis anos o regime de Muammar Gaddafi vem saindo do frio -lentamente, aos trancos e barrancos e de modo imprevisível, mas vem. A culpa líbia pela morte da policial Yvonne Fletcher, em Londres, e pela tragédia do avião que caiu sobre Lockerbie foi reconhecida -parcialmente e a contragosto, mas foi. Gaddafi vem tomando posição pró-EUA desde 11 de setembro, mas a retirada do país da lista de ""Estados fora-da-lei" redigida por Washington parece remota.
Assim, a alegada ""amizade estreita" de Gaucci deve ter chegado aos ouvidos do coronel. E quem mais indicado para informar seu pai dela do que Al Saadi? Dá até para imaginar a cena: ""Vá, meu filho. Vá, mas traga resultados".


Tradução de Clara Allain

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