São Paulo, Quarta-feira, 22 de Setembro de 1999
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Basquete hip hop

Otávio Dias de Oliveira/Folha Imagem
Integrantes do grupo de rap Uzome sp posam na quadra de colégio próximo à Cohab, onde jogam partidas de basquete


Como nos EUA, onde o estilo musical é o preferido dos atletas da NBA, o Paraná, de Hortência, une-se à Cohab de Carapicuíba, reduto do rap paulistano, para a disputa do Campeonato Estadual feminino

EDUARDO OHATA
FÁBIO SEIXAS
JOSÉ ALBERTO BOMBIG
da Reportagem Local

No muro de uma escola pública de Carapicuíba, na Grande São Paulo, o grafiteiro Chulipa escreveu: "Viva Chico Science, o hip hop, o rap, o hardcore, o grafite, o underground de todas as cenas. E todos os excluídos do sistema."
Com desenhos espalhados por toda a região, ontem ele trabalhava num grafite diferente. Em um ginásio da cidade, munido de suas latas de spray, começava o esboço de uma bola de basquete.
Ao lado do skate, do rap, da dança de rua e do grafite, o esporte é uma das traduções do movimento hip hop. União indelével que surgiu nos EUA. Que, embalada pelas transmissões de jogos da NBA (liga norte-americana profissional de basquete) pela TV, instalou-se nas periferias das grandes cidades brasileiras em meados da década passada. E que, só ontem, foi formalizada no país.
Enquanto Chulipa rascunhava seu trabalho, longe dali, em Curitiba, a ex-jogadora Hortência e o pagodeiro Netinho, do Negritude Júnior, assinavam a transferência do time feminino do Paraná Basquete para Carapicuíba.
A partir da semana que vem, a equipe vai receber seus jogos no ginásio da cidade, cercada pelos conjuntos da Cohab (Companhia Metropolitana de Habitação de São Paulo), tema recorrente nas músicas do Negritude.
"Tanto nos EUA como no Brasil, o basquete e o rap acabam se encontrando nos guetos, na periferia", afirma José de Paula Neto, o Netinho, 29, que nasceu e passou a maior parte da vida adulta em uma Cohab e é autor de hits como "Cohab City" e "Tanajura".
"O basquete não pode ficar longe da nossa galera, que é também do samba. Aqui, as jogadoras vão ver o que é calor humano."
Distante 22 quilômetros a oeste de São Paulo, Carapicuíba tem cerca de 360 mil habitantes.
É basicamente uma cidade-dormitório, de baixa renda, às margens da rodovia Castelo Branco.
Fruto de um convênio entre o governo do Paraná, a Prefeitura de Carapicuíba, Hortência e o Programa "Família Negritude" (leia abaixo), o projeto, porém, ainda terá que ganhar a confiança do movimento hip hop local.
"Estamos pagando pra ver. Não sabemos a idéia dela (Hortência). Ela não conhece nada daqui e deve estar ganhando dinheiro a pampa com isso", diz Gilson Rodrigues de Souza, 24, o Chulipa.
Grafiteiro mais conhecido de Carapicuíba, vocalista e líder da banda Uzome sp, ele critica o fato de a equipe do Paraná ter o ginásio municipal à disposição, enquanto a população da Cohab sofre com a falta de opções de lazer.
"Vamos olhar aquilo lá (o ginásio) com os olhos da carência. Aqui, a gente não pode jogar porque as quadras das escolas já nem têm mais as tabelas."
Por dois anos, entre 1994 e 1996, era comum os jovens da Cohab se reunirem nos finais de semana para jogar basquete. Era o programa "Agito Geral", organizado por moradores da região.
"A gente levava som à quadra, e o pessoal jogava das 8h às 21h. Mas, daí, as tabelas quebraram, a prefeitura não fez manutenção, e a gente tem que improvisar um aro amarrado na tela", diz Chulipa. "Hoje, o basquete aqui é um negócio alternativo. A gente faz rolar por esforço nosso."
Para Alan David, o Bala, percussionista da Uzome sp, "o basquete hoje está escasso na área".
"Está tudo destruído. Nem tem espaço pra gente jogar."
Envergando uma camisa pirateada de Pat Ewing, o veterano pivô do New York Knicks, Santiago Siqueira Duarte foi o único membro da banda a tentar a sorte no basquete profissional.
Formado nas quadras das escolas de Carapicuíba, há quatro anos ele passou por uma "peneira" da então equipe da Telesp, em São Paulo. Quebrou o braço durante o teste e deu por encerrada sua "aventura" no esporte.
A ex-jogadora Hortência, porém, vê com mais otimismo as possibilidades do programa.
"Noventa e nove por cento dos atletas craques vêm de classes muito pobres. É isso que dá jogador. Vamos aproveitá-los em times profissionais", diz.

Ascensão
Para o sociólogo do Núcleo de Estudos da Violência da USP (Universidade de São Paulo) Luís Antônio Francisco de Souza, a identificação da periferia brasileira com o basquete norte-americano pode estar ligado à própria história do esporte, que marca a ascensão da comunidade negra.
"No Brasil, o futebol é que desceu às classes populares. São poucos os que realmente ganham dinheiro com ele, e ganham muito. Com isso, às vezes ele estimula aquilo que ele deveria combater: a violência e a desigualdade."
No rap nacional, jogadores de futebol que gostam de ostentar bons carros, jóias e mulheres bonitas, geralmente loiras, também são acusados de fomentar a violência e a desigualdade.
Souza diz que a eficácia do esporte no combate à violência é grande, mas é preciso ter cuidado com "febres" passageiras, como projetos que servem apenas para a promoção dos idealizadores. "A febre passa, eles vão embora, e tudo volta ao que era antes."


Colaborou a Agência Folha, em Curitiba

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