São Paulo, terça-feira, 23 de março de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ONG vê "jogo sujo" nos uniformes

DA REPORTAGEM LOCAL

Às vésperas dos Jogos Olímpicos as grandes empresas de material esportivo sempre inundam o mercado com inovações tecnológicas e roupas futuristas para os atletas e dezenas de novidades para o consumidor comum.
E também se vêem envolvidas em uma velha polêmica: a exploração de mão-de-obra na confecção do material esportivo.
A produção visando o evento que acontece em Atenas, a partir de 13 de agosto, já começou.
Com o aumento do trabalho nas fábricas, mais uma vez as empresas voltam a enfrentar denúncias, como já ocorrera antes dos Jogos de Sydney, em 2000, e da Copa do Mundo de futebol, em 2002.
Dados levantados por uma ONG inglesa apontam irregularidades no processo de fabricação das roupas que serão usadas pelos atletas na Olimpíada e consumidas por milhões de pessoas.
A Oxfam criou, em parceria com outras entidades do país, uma campanha batizada de "Jogo Limpo na Olimpíada".
A idéia do movimento é investigar a exploração de trabalhadores que estão empregados na confecção do material olímpico de grandes empresas internacionais.
Pesquisa realizada pela Oxfam e seus parceiros em sete países -Bulgária, Camboja, China, Taiwan, Indonésia, Tailândia e Turquia- mostra que gigantes da industria esportiva estariam explorando mão-de-obra, principalmente a de mulheres, para aumentar sua produção.
Entre as empresas investigadas estão Nike, Adidas, Fila, Reebok, Puma, Asics, Mizuno, Lotto, Kappa e Umbro.
"Nossa campanha quer que as companhias joguem limpo. Também queremos chamar a atenção do Movimento Olímpico e do público em geral para pressionar essas empresas e dar recomendações a governos, fornecedores esportivos e gerentes das fábricas", disse à Folha Anna Mitchell, representante da Oxfam.
Entre as acusações da ONG estão intimidação de trabalhadores na Indonésia, punição daqueles que se recusam a fazer hora-extra na Bulgária, chineses que recebiam apenas US$ 12 por mês e jornadas de mais de 16 horas, seis dias por semana.
A Oxfam associa a exploração dos trabalhadores à tentativa de essas indústrias baratearem seus produtos e se tornarem mais competitivas no mercado mundial. Não à toa a maioria das denúncias aparecem em países do continente asiático em que a população vive com um poder aquisitivo muito baixo.
A indústria de material esportivo lucrou em 2002 US$ 58 bilhões, segundo a entidade inglesa.
"Nós trabalhávamos até 2h, 3h da manhã. Também fazíamos jornada dupla. Nós ficávamos exaustas, mas não havia saída", relatou à Oxfam, uma trabalhadora de 22 anos, que trabalha em uma fábrica da Puma na Tailândia. "Não podíamos recusar hora-extra porque nossa média salarial era muito baixa", disse.
Por causa de declarações como esta, a Puma já foi acionada pela ONG e pelo Sindicato dos Trabalhadores da Inglaterra. Eles querem que a empresa investigue os casos e acerte a situação dos trabalhadores em sua fábrica.
"Os Jogos Olímpicos devem ser um show para a realização do ser humano. Mas as indústrias de material esportivo estão violando esse espírito com a exploração e o abuso dos direitos dos trabalhadores", disse Brendan Barber, secretário-geral do sindicato.
O Comitê Olímpico Internacional declarou que está trabalhando com as federações internacionais para tentar interferir no assunto.
Outras empresas também foram chamadas para conversar com as organizações.
Elas já conseguiram promessa de várias delas de que fiscalizariam as fábricas desses países e, se comprovada alguma irregularidade, tomariam providências.
A Nike, por exemplo, diz que apóia o relatório da Oxfam, mas questiona o fato de não conhecer certos dados, já que mantém estudos sobre as condições de trabalho em duas fábricas.
"Respeitamos a decisão da Oxfam de preservar a identidade dos trabalhadores de fábricas entrevistados, mas iremos investigar as alegações", disse a Nike por meio de sua assessoria.
A empresa diz, por exemplo, que a Aliança Global para Trabalhadores e Comunidades, que se dedica a tentar aperfeiçoar as condições de trabalho no mundo, entrevistou cerca de 12.200 trabalhadores em 49 fábricas em cinco países nos últimos anos e não obteve os mesmos dados. (GUILHERME ROSEGUINI E MARIANA LAJOLO)


Texto Anterior: Troca-troca
Próximo Texto: Outro lado: Empresas dizem que já cuidam de empregados
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.