São Paulo, domingo, 23 de março de 2008

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Artilharia de SP vem de roça e de obra

Otacílio Neto, do Noroeste, ex-lavrador, e Pedrão, do Barueri, ex-servente de pedreiro, surgiram da várzea aos 19 anos

Destaques deste Paulista tiveram contato tardio com clubes e contaram com o acaso para dar início a suas carreiras como profissional


PAULO COBOS
DA REPORTAGEM LOCAL

Esqueça jogadores lapidados por anos nas categorias de base, muitos com empresários a tiracolo desde garotos. No caso de dois dos principais candidatos a artilheiro do Paulista, o acaso foi o responsável por eles estarem no futebol profissional.
Otacílio Neto, dez gols pelo Noroeste, mesmo fora das últimas rodadas por lesão, e Pedrão, 11 tentos pelo Barueri, eram maiores de idade quando entraram em campo pela primeira vez para jogar por um time que não fosse de várzea.
O primeiro era um lavrador nordestino recém-chegado a São Paulo, e o segundo, um servente de pedreiro em Jaboticabal, no interior paulista, quando o destino driblou a fórmula atual, em que até garotos de 12 ou 13 já têm vínculos com os clubes, pequenos ou grandes.
"Cheguei de Orós [sertão cearense] pouco antes de completar 19 anos. Iria trabalhar numa pizzaria de Osasco. No final de semana anterior ao início do serviço, um primo meu chamou um olheiro para um jogo de várzea. Fiz três gols. O rapaz gostou. Me levou na Portuguesa e disseram que lá estava lotado. Então apareceu o Ituano, onde tudo começou", conta Otacílio Neto, hoje com 25 anos, sobre como o futebol apareceu na sua vida.
Tudo muito parecido com o início de Pedrão, do Barueri.
A função de servente de pedreiro em uma cerâmica, onde trabalhou por quase cinco anos, era seu sustento até que um técnico do time profissional de Jaboticabal o viu jogando, quando já tinha 19 anos, em um campeonato de várzea da cidade do interior paulista.
"Nunca tive a expectativa de ser um jogador futebol", diz o atacante, hoje com 29 anos.
Futebol sempre foi algo secundário na infância dos dois.
"Eu trabalhava na roça. Plantava milho, feijão e arroz num sítio em Orós. A vida era sofrida, dificuldade atrás de dificuldade. Nunca cheguei a passar fome, mas chegou a ter domingo que só tinha arroz para comer", conta Otacílio Neto.
Antes do trabalho de servente de pedreiro, Pedrão sofreu um acidente que "mudou" seu nome. "Fui atropelado por um caminhão de gás. Quebrei braço, perna. Como o caminhão era de uma distribuidora chamada Pedrão, comecei a ser chamado assim", conta ele, cujo nome de batismo é Cristiano.
A demora para chegar a um clube profissional causou transtornos para os dois no início. "Eu cheguei no Ituano e esperava ver o que o pessoal fazia primeiro para depois copiar. Todo mundo estranhava, ficava me olhando. No primeiro treino, atravessei os outros caras. Todo mundo me pedia calma", rememora Otacílio Neto.
"É complicado quando você chega ao profissional. Passa por muita dificuldade, um monte de coisa que você não sabe fazer. Tem exercício difícil. E no meio do futebol qualquer mancada que você dá todo mundo dá risada", fala Pedrão, que lembra ainda do fato de jogar na várzea logo depois de comer pratos bastante calóricos.
Com pouca vivência em categorias de base -Otacílio Neto disputou menos de uma temporada pelos juniores do Ituano, e Pedrão foi direto para o profissional no Jaboticabal-, eles também fogem de outro perfil básico do futebol atual.
O atacante do Noroeste tem como agente o mesmo olheiro que o descobriu na várzea, há seis anos. Pedrão é ainda mais radical. Não tem empresário.
"Eu mesmo sento e converso sobre os meus contratos. Isso tem lado bom e ruim. Se tivesse um empresário bom, já estaria em um time grande. O lado bom é que não tenho que dar comissão para ninguém."


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