São Paulo, sexta-feira, 23 de abril de 2004

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FUTEBOL

Bateu, levou: jornalismo e violência

MÁRIO MAGALHÃES
COLUNISTA DA FOLHA

Quem sabe -a academia apronta cada surpresa- ainda não aparece uma tese ensinando que, quando um técnico de futebol manda seu atacante ciscador cavar um pênalti, na verdade ele quer dizer para pegar uma pá e tirar um pouco de grama e terra do que no tempo de Friedenreich se chamava marca dos 11 metros. Vai ver é linguagem de boleiros.
Na corporação dos treinadores inexiste surpresa. De onde menos se espera alguma coisa é que ela não sai. Às vésperas da decisão que deu o título do Rio ao Flamengo, o técnico vascaíno Geninho bradou em um treino: "Ficou parado, chuta o tornozelo dele".
Os colegas treineiros saíram em sua defesa: foi maneira de falar, idioma do futebol, não mandou bater.
No jornalismo esportivo, o que também era previsível, Geninho teve amplo respaldo. A despeito da condenação de quem ouviu um incentivo à violência, pareceu majoritária a opinião de que, ao mandar chutar o tornozelo de quem fica parado, Geninho não estava mandando chutar o tornozelo de quem fica parado. Só queria reforçar a marcação.
Agora mesmo não faltará a condenação jornalística: requentando assunto, não tem do que falar, deve ter passado o feriado na praia e perdeu a rodada inaugural do Campeonato Brasileiro.
Nem uma coisa nem as outras. Apagar da memória um episódio como o da semana passada contribui para que ele se repita.
Três dias antes de o técnico sancionar a Lei de Geninho, o rubro-negro Felipe infernizara o Vasco com seus dribles no abril vermelho e preto. Felipe pára antes de driblar. Dribla parado. E tem andado com um tornozelo baleado.
Casca de abacaxi, cheiro de abacaxi e gosto de abacaxi -abacaxi é. E se não for? Quer dizer que, se não fosse em Felipe, tudo bem? Podia chutar?
Irresponsável não é condenar Geninho. É a leniência do jornalismo com a violência no futebol. E alguém acha que é só Geninho? Ouvi a pergunta como argumento para deixar pra lá o episódio. Pelo contrário: que sirva como lição aos truculentos.
Quando certa feita Geninho gritou "pega!", e o lateral Roger pegou e foi expulso, havia dúvidas sobre a mensagem. O emissor jurou que não quisera dizer o que entendera o receptor. É do jogo. Não dá para igualar o incerto "pega" com a evidência do "chuta!". Mesmo sabendo que os códigos dos meios têm significados só compreensíveis a estes.
Quem melhor esclareceu a pendenga foram os jogadores do Vasco. Entenderam a ordem. Bateram tanto que houve "apenas" quatro expulsões devido à parcimônia do árbitro. Coutinho não chutou o tornozelo. Rebelde, acertou Felipe mais em cima, quase no joelho.
As misérias do jornalismo não devem intimidá-lo a cumprir a missão de fiscal dos interesses de leitores e espectadores. A busca de decência no futebol não se opõe à defesa da ética nas Redações. Geninho não disse uma frase infeliz. Deu uma ordem criminosa.

Caindo a ficha
Palmeiras e Botafogo mostraram nos Estaduais que a volta à Primeirona não os devolvia automaticamente ao primeiro time. O alviverde tem muito a evoluir para sonhar com o Brasileiro. Não ser re-rebaixado parece a ambição máxima do alvinegro. Os azulões Cruzeiro e São Caetano pintam como favoritos, ao lado do Santos.

Coração alado
Errou quem achava que a Federação Gaúcha levaria o troféu de trapalhadas de 2004. Afinal, marcou as finais do Gauchão para meados do ano. Mas o presidente da Federação Cearense, Fares Lopes, fiel aliado de Ricardo Teixeira, passou à frente. Lá, não se sabe nem se haverá campeão. As finais bateram asas e voaram.

E-mail
mario.magalhaes@uol.com.br


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