São Paulo, domingo, 23 de junho de 2002

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TURISTA OCIDENTAL

A VERDADEIRA VITÓRIA DA CORÉIA

MÁRIO MAGALHÃES
ENVIADO ESPECIAL A HIROSHIMA

No dia 12 de agosto de 1995, o principal dirigente do futebol sul-coreano, Chung Mong-joon, recebeu cerca de dez jornalistas brasileiros para almoçar num hotel cinco estrelas de Seul. Brasil e Coréia jogariam poucas horas mais tarde na vizinha Suwon.
Enquanto a comida não era servida, e muitas garrafas de uísque eram consumidas, Chung entusiasmou-se e anunciou: ""Se a Coréia vencer, cada um de vocês ganhará de presente um Accent".
Trata-se de um modelo médio da Hyundai, gigante automobilística que tem em Chung um dos controladores e o maior herdeiro. Houve constrangimento de uns repórteres, que recusariam a oferta, e excitação da maioria.
Durante a refeição, com vinho francês, o sul-coreano -também deputado, vice-presidente da Fifa, à época lobista-chefe na disputa com o Japão para receber a Copa-2002 e hoje cotado para concorrer à Presidência da República- radicalizou: "Vou dar o carro mesmo se houver empate".
Quando Dunga selou a vitória brasileira por 1 a 0, um radialista compatriota seu deu um soco de raiva na mesa da tribuna do estádio. Não levou o Accent.
A uma semana do fim da Copa, já é possível dizer que a agressividade demonstrada pelos coreanos para sediar o Mundial e mantida na sua preparação lhes rendeu uma vitória fora do campo: a organização e a mobilização no país foram superiores às do Japão.
Nesse embate para ver quem fez a ""melhor Copa", a Coréia ganhou limpamente. Não precisou das aberrações de arbitragem que a permitiram ir longe no torneio e ontem passar às semifinais.
Com mais de três semanas de competição, os temores de que uma Copa na Ásia fatiada entre dois países pudesse fracassar foram sepultados. A organização esteve no mínimo à altura da dos EUA-94 e da França-98.
O problema grave extracampo, o encalhe de milhares de ingressos, foi atribuído à Fifa e a uma empresa contratada por ela.
Centenas de milhares de torcedores se reúnem nas ruas da Coréia para assistir às partidas da seleção em telões. No Japão, raramente se alcançou a casa da dezena de milhares. Mesmo assim, numa participação mais ampla que a dos americanos em 1994.
Os japoneses não marcaram nenhum jogo para a sua capital, Tóquio, e a cidade do maior aeroporto, Narita. Os coreanos construíram um novo aeroporto em Incheon, e ergueram, bem como em Seul, um novo estádio.
Quem desembarca em Incheon é bombardeado com propaganda da Copa. Em Narita, parece que o Mundial não se realiza no país. As ruas das cidades-sedes da Coréia lembram passarelas de Carnaval. No país vizinho, isso inexiste. Para dinamizar o Mundial, os coreanos criaram e ampliaram serviços. Templos budistas lançaram um programa em que os visitantes passam 24 horas, o que não há no Japão.
Um enorme obstáculo aos turistas estrangeiros nos dois países, o idioma, foi encarado de modo diferente. A Coréia reforçou um serviço telefônico gratuito em várias línguas (inclusive português) no qual intérpretes fazem traduções. O Japão ignorou a dificuldade.
Na Coréia, em todas as estações de trem dos municípios que recebem jogos há um posto de informações sobre a Copa. Ontem, na cidade japonesa de Osaka, palco de Turquia x Senegal, o guichê do Mundial já não funcionava.
Potência tecnológica, o Japão, ao contrário da Coréia, dispensou internet de rede para os centros de imprensa -só há acesso telefônico. O estádio de Yokohama abriu para um jogo com obras em andamento.
Na origem do contraste está a frustração com a divisão, em 1996, da hospedagem da Copa. Os dirigentes japoneses pensavam que a escolha do país eram favas contadas -mas a Fifa votou pela sede dupla.
Mesmo só com metade do torneio, e sem a final, a Coréia comemorou o feito sobre o país que de 1910 a 1945 a ocupou. As ambições foram diferentes. A seleção coreana contratou um dos técnicos mais conceituados do mundo, Guus Hiddink, ex-Holanda. A japonesa, Philippe Troussier, ex-África do Sul.
Pouco antes da Copa, pesquisa em dez países apontou a Coréia como o país onde o interesse era maior. O Japão era o nono. De um lado, o engajamento popular intenso. De outro, morno.
A organizada Red Devils (Diabos Vermelhos) se consagrou com o grito de "Tae Hae Ming Kook" ("República da Coréia"). Foram criadas torcidas para os 15 times visitantes.
A favor do Japão: só aqui a seleção brasileira sentiu o clima de Copa. Em Ulsan (Coréia), quase não havia assédio. Com a mudança de país, torcedores passaram a perseguir e acompanhar o time, como em outros Mundiais.



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