São Paulo, quinta-feira, 23 de setembro de 2004

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FUTEBOL

Limites da separação

SONINHA
COLUNISTA DA FOLHA

Juro que não é por preguiça que reproduzo, mais uma vez, a mensagem de um leitor. Guilherme Rezende já tinha se manifestado sobre a proibição de camisas de times no jogo da seleção:
"Isso nada mais faz do que reforçar a ideologia de que torcedores de times rivais não podem conviver em paz. Esta política de proibir pode surtir algum efeito pontual a curto prazo, mas a longo prazo traz conseqüências funestas". Lembrei disso quando li as declarações do promotor Fernando Capez cogitando a realização de jogos com uma torcida só, e ele escreveu outra vez:
"Se em Chicago havia ruas só para brancos e ruas só para negros; se no Brasil Colônia havia igrejas só para ricos e outras só para pobres; agora, a se levar em conta o pedido do Ministério Público, teremos jogos só para são-paulinos e outros só para corintianos. Após a proibição da venda de cerveja, da proibição de camisas, agora a nova e revolucionária idéia de combate à violência nos estádios: a proibição da própria torcida... Isso tudo motivado pelo triste episódio da morte de um jovem torcedor são-paulino ocorrida, no entanto, a quilômetros do estádio. Não é proibindo cada vez mais que se vai resolver o problema da violência nos estádios. Não é incentivando a discriminação (imagine o vizinho palmeirense rindo do corintiano que não pode ir ao jogo porque é proibido...). Ao contrário, o combate à violência nos estádios passa pela educação e pelo respeito às diferenças".
Concordo com o co-autor da coluna de hoje: quanto mais se proíbe e se separa, pior. Bandeiras são proibidas nos estádios paulistas, e muitos já não usam a camisa do seu time por medo da violência. Os ignorantes estão levando vantagem porque essa pode ser a nova proibição oficial... Qual o próximo passo, proibir corintianos de sair à rua em dias de jogo do São Paulo? Isolar o bairro do Morumbi, por onde só passarão torcedores do mandante?
Como o próprio Capez admite, a violência entre torcedores é um reflexo de outros problemas. O demente que sai armado para dar tiros no ônibus com torcedores rivais não é só um "torcedor" violento, é uma pessoa desprovida de toda noção de civilidade. Para começar, ele não poderia ter uma arma de fogo -mas por que o empenho na busca e apreensão de armas ilegais não é o mesmo que existe em relação à maconha, por exemplo? E o futebol é só um pretexto para o ódio ao "outro".
Ver um ônibus lotado de torcedores de um time é mesmo assustador. Em vez de segregar cada vez mais, melhor seria misturar. Obrigar os torcedores a tomar a mesma condução, a andar na mesma rua. Daria um trabalhão para a polícia, mas obrigá-los a manter distância uns dos outros também dá, e sempre tem furos.
Nada disso exclui a necessidade de punição rigorosa para os agressores, ou para quem é pego com bombas de fabricação caseira antes de chegar a usá-las. Mas proibir a ida ao estádio de quem só queria ver o jogo no campo é punir justamente o inocente.

Estupefaciente
Não é uma loucura que uma empresa, ou melhor, que cinco empresas tenham a quantia de R$ 65 milhões para pagar por uma cota de publicidade do "Futebol 2005" da Globo? Essa dinheirama acaba indo, indiretamente, para os cofres de clubes que estão quebrados, administrados de forma amadora e desastrada e que dependem fortemente dos direitos de televisão. O anunciante tem uma exposição gigante e tem lá seu retorno, o que justifica o gasto. Mas imagino como se sente o captador de recursos de um projeto esportivo bacanérrimo que tenta conseguir por volta de R$ 5.000 por mês de patrocínio, mas não consegue... Algumas coisas são grandes demais, e outras não conseguem crescer de jeito nenhum.

E-mail soninha.folha@uol.com.br

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