São Paulo, terça-feira, 23 de outubro de 2001

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

BASQUETE

Na porta da zona

MELCHIADES FILHO
EDITOR DE ESPORTE

Antecipar a nova divisão de forças da NBA não é uma tarefa simples neste ano. Contratações (e desfalques), o combustível habitual das profecias, parecem irrelevantes quando lembramos que a liga oficializa, dentro de uma semana, sua maior revolução em quase meio século.
Em nome de uma desburocratização, não haverá mais uma regulamentação para o que se pode ou não fazer no setor defensivo.
Ao longo de toda a sua história, a NBA impôs a obrigatoriedade da marcação individual -os emparelhamentos, homem a homem, deviam ficar claros pela disposição dos atletas na quadra.
Na visão de muitos puristas, essa particularidade definiu a alma e a trajetória de sucessos do basquete profissional nos EUA. Foi, afinal, para levar vantagem sobre seu marcador que o jogador norte-americano aperfeiçoou o drible, adquiriu velocidade, desenvolveu sua capacidade atlética...
Mas os cartolas da bola laranja perceberam, com razão, que as partidas andavam pobres, restritas a duelos "mano a mano" -e que os torcedores, e alguns árbitros, nunca chegaram a compreender as especificidades da chamada "defesa ilegal". Resolveram implodir a estrutura do jogo e cruzar os dedos para que, das cinzas, ele reencontre a vocação pelo improviso, pela emoção.
(Somente em 1954 houve uma decisão de impacto similar -a definição de um limite de 24 segundos para o arremesso.)
Todas as equipes da NBA já incluíram a marcação por zona em suas cartilhas. Algumas devem alçá-la à primeira opção de jogo.
Essa tática reduz o peso, ou exige ainda mais, das superestrelas. Veja o caso de Shaquille O'Neal, que se acostumou a receber combate duplo, ou triplo, toda vez que lhe entregavam a bola. Pois agora enfrentará essa pressão antes que o passe lhe seja feito.
Dínamos da velocidade e do bate-bola, como Allen Iverson e Steve Francis, não terão mais um só oponente no caminho da cesta.
Com tudo isso, torna-se fundamental o que se faz, e quem aparece, no chamado "weak side", o lado "fraco" da quadra, oposto àquele em que o lance ofensivo começa a ser construído.
Exemplo: os rivais simplesmente vão congestionar o lado ocupado por John Stockton e Karl Malone, inibindo os corta-luzes que fizeram a fama da dupla e forçando o Utah a buscar a cesta com coadjuvantes como John Starks.
Para fugir à defesa por zona, obrigando o adversário a espacejar a marcação, algumas equipes não descartam deslocar os craques para o lado "fraco", alienando-os do bate-bola. Kobe Bryant, do Los Angeles Lakers, atual bicampeão da liga, e Jerry Stack- house, do Detroit Pistons, já experimentaram essa função.
Outro antídoto bastante treinado na pré-temporada foi o contra-ataque veloz. O Orlando, por exemplo, testou o ala Grant Hill como armador para que o tampinha Darrell Armstrong fosse liberado para correr à frente.
Mas, colhidos de supetão, os técnicos ainda se dizem confusos. O centralizador Pat Riley acena soltar as rédeas do Miami. O camarada Byron Scott fala em domar o criativo Jason Kidd no New Jersey. Alguns prevêem a escassez de cestas; outros, o contrário.
A verdade é que a nova NBA terá de sentir o basquete, terá de (re)aprender a jogar no tato, em um extenuante braile com a bola. Por ora, estamos todos às cegas.

Regras 1
Para apimentar, a NBA dará ao time 8 segundos, e não 10, para mover a bola além do meio da quadra. E, a menos que esteja marcando alguém, o defensor poderá ficar só 3 segundos em seu garrafão.

Regras 2
Vai se adaptar melhor à nova realidade o atleta com disciplina tática, capaz de criar o próprio arremesso e de encestar de média distância. Alguém se lembrou do basquete universitário? Enfim, é possível transpor a realidade amadora (e do mundo) para a NBA.

Regras 3
No ataque, contra a defesa por zona ou individual, de todo modo seria um show de cestas. Mas, na defesa, as mudanças teriam beneficiado, e muito, uma hipotética carreira de Oscar na NBA. Sem a obrigação de marcar homem-a-homem, o brasileiro não seria um fardo para sua equipe. Seria, sim, uma grande estrela.

E-mail melk@uol.com.br


Texto Anterior: Frase
Próximo Texto: Atletismo: Terror derruba Maratona de NY
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.