São Paulo, segunda-feira, 23 de dezembro de 2002

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SURFE

"Shaper" de pranchas carioca é obrigado a mudar seu logotipo para evitar problemas com o crime organizado no Rio

Guerra entre criminosos chega ao esporte

Ana Carolina Fernandes/Folha Imagem
O 'shaper' Thiago Cunha, que registrou queda nas vendas depois de ter a sua marca, a TC, associada à facção Terceiro Comando


SÉRGIO RANGEL
DA SUCURSAL DO RIO

A paranóia gerada pela guerra entre facções criminosas no Rio chegou ao surfe. O "shaper" Thiago Cunha foi obrigado a mudar o seu logotipo, que coincidentemente tinha as iniciais de uma das principais facções criminosas da cidade, o Terceiro Comando, para "proteger" os seus clientes e reaquecer a sua produção. O "shaper" é responsável pela fabricação de pranchas de surfe.
Depois de Cunha amargar uma queda de mais de 20% da sua produção nos últimos meses, um de seus clientes foi agredido e teve a prancha que tinha estampada o logotipo do "shaper", TC, quebrada por causa das iniciais.
O menor foi cercado por um grupo de banhistas, supostamente do Comando Vermelho, e teve uma das quilhas quebradas por um chute. A agressão ao menor, que não quis ser identificado, ocorreu em setembro na praia de São Conrado, na zona sul do Rio.
A praia fica perto da favela da Rocinha, uma das maiores da cidade. A favela é controlada pelo CV, principal rival do Terceiro Comando na disputa pelos pontos-de-venda de drogas no Rio.
"A partir do segundo semestre deste ano, vários clientes começaram a me pedir para mudar o logotipo. A alegação era sempre a mesma, mas nunca acreditava que poderia ser verdade. Só depois de saber que o garoto tinha apanhado, decidi mexer no logotipo", afirmou Cunha.
No mundo do surfe, a marca estampada na prancha serve como uma espécie de assinatura do "shaper" e identifica a qualidade.
Antes de saber da agressão sofrida pelo seu cliente, Cunha disse que "sentia" que o pedido dos seus clientes tinha "fundamento".
"Quando a confusão entre as facções criminosas aumentou entre setembro e outubro, sofri uma grande queda nas vendas das pranchas. Na ocasião, já comecei a perceber que eles poderiam estar certos", disse o "shaper".
O auge do caos promovido pelas facções criminosas no Rio ocorreu no dia 30 de setembro.
Menos de uma semana antes do primeiro turno das eleições, uma onda de ameaças e boatos atribuída a traficantes de drogas provocou o fechamento do comércio, de escolas e de bancos em pelo menos 36 bairros de todas as regiões do Rio -incluindo Ipanema e Botafogo e o entorno de várias favelas da zona norte, como o complexo do Alemão.
Segundo a polícia, as ameaças podem ter sido uma reação do tráfico à prisão de Elias Pereira da Silva, o Elias Maluco, líder do Comando Vermelho, duas semanas antes, e ao isolamento dos principais chefes da facção no Batalhão de Choque da PM desde que foram transferidos de Bangu 1.
"Em setembro, eu vendi cerca de 60 pranchas. No mês seguinte, só recebi a encomenda para fazer 40 delas. Por isso, decidi mudar o meu logotipo para não acabar falindo", acrescentou Cunha.
Para tentar acabar com a associação ao Terceiro Comando, o "shaper" decidiu acrescentar um outro sobrenome no logotipo. Agora, ele assina as pranchas com as letras TBC -Thiago Bastos Cunha. "A história parece surreal, mas foi melhor mudar. O chato foi ter que abandonar uma marca que já era trabalhada há 13 anos", afirmou o "shaper".


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