São Paulo, quarta, 24 de março de 1999

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Pelé com a camisa 13, um choque inesquecível

JOSÉ GERALDO COUTO
da Equipe de Articulistas

² A revista "Placar" que está nas bancas, com Pelé na capa e num dossiê especial, me fez mergulhar no túnel do tempo.
Uma pequena foto, publicada na página 21 da revista, mostrando Pelé com a camisa 13 às costas, me levou de volta ao dia 26 de abril de 1970, quando o Brasil empatou com a Bulgária sem gols, no Morumbi, e o rei ficou no banco.
Em 26 de abril de 1970 eu era apenas um garoto de 13 anos que amava os Beatles e os Rolling Stones e que naquele domingo foi ao Morumbi para ver -de pé, na geral atrás do gol de entrada do estádio- o Brasil jogar.
Estávamos às vésperas da Copa do México, Zagallo tinha substituído Saldanha no comando da seleção, e as grandes polêmicas da época eram: Pelé e Tostão podem jogar juntos? Quem é melhor: Edu ou Paulo César? Rivellino ou Gérson?
Os jornais, as rádios e as TVs já haviam noticiado que Pelé começaria na reserva. Mesmo assim, quando a seleção entrou em campo, todos os olhos do estádio procuraram em vão o rei entre os titulares.
Pelé foi um dos últimos atletas a entrar em campo, e vê-lo com a camisa 13 foi um choque inesquecível. Era como se a ordem do universo tivesse sido alterada, e corrêssemos todos o risco de cataclismos indizíveis.
O próprio Tostão, com o 10 às costas, parecia constrangido. Um usurpador involuntário.
Após um instante de silêncio e perplexidade, uma vaia ensurdecedora fez tremer o Morumbi. Por terem sido desafiados, os deuses nos puniram com um jogo medíocre e sem gols.
Cada vez que Paulo César -que ainda não era Caju, mas já era craque até a medula- pegava na bola, era apupado como um pária, como se toda a culpa fosse dele.
Explica-se: o torcedor paulistano queria Edu, o endiabrado ponta-esquerda do Santos, um dos maiores dribladores que o Brasil já teve.
No segundo tempo, Pelé entrou no lugar de Tostão, e Ri- vellino (outro preferido da torcida) substituiu Clodoaldo. O jogo melhorou um pouco, mas não o suficiente para alterar o placar e o humor do público.
Como todo mundo, saí do estádio cabisbaixo, rangendo os dentes e chutando latas, convencido de que, pelo menos no futebol, a monarquia é uma instituição sagrada.

A evocação sentimental acima pode reforçar a falsa idéia de que o torcedor tem sempre razão -e o mito de que foi o "povo brasileiro" que escalou a seleção titular da Copa de 70. Mas não é bem assim.
O mergulho no passado me levou ao Banco de Dados da Folha, onde pesquisei a imprensa da época.
Na "Placar", encontrei uma pesquisa de opinião entre torcedores de São Paulo, Rio, Belo Horizonte, Porto Alegre e Recife sobre a seleção ideal para a Copa do México. Eis o time escalado pelo "povo brasileiro":
Félix; Carlos Alberto, Brito, Fontana e Marco Antonio; Gérson e Rivellino; Rogério, Tostão, Pelé e Edu.
Ou seja, da equipe que acabaria sendo titular no México, quatro estavam de fora: Piazza, Everaldo, Clodoaldo e Jairzinho. Este último, vale lembrar, foi o artilheiro e uma das estrelas do time, com sete gols em seis jogos. Não, o povo nem sempre tem razão.
²

E-mail: jgcouto@uol.com.br


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