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Pelé com a camisa 13, um choque inesquecível
JOSÉ GERALDO COUTO
da Equipe de Articulistas
²
A revista "Placar" que está
nas bancas, com Pelé na capa e
num dossiê especial, me fez
mergulhar no túnel do tempo.
Uma pequena foto, publicada
na página 21 da revista, mostrando Pelé com a camisa 13 às
costas, me levou de volta ao dia
26 de abril de 1970, quando o
Brasil empatou com a Bulgária
sem gols, no Morumbi, e o rei
ficou no banco.
Em 26 de abril de 1970 eu era
apenas um garoto de 13 anos
que amava os Beatles e os
Rolling Stones e que naquele
domingo foi ao Morumbi para
ver -de pé, na geral atrás do
gol de entrada do estádio- o
Brasil jogar.
Estávamos às vésperas da Copa do México, Zagallo tinha
substituído Saldanha no comando da seleção, e as grandes
polêmicas da época eram: Pelé
e Tostão podem jogar juntos?
Quem é melhor: Edu ou Paulo
César? Rivellino ou Gérson?
Os jornais, as rádios e as TVs
já haviam noticiado que Pelé
começaria na reserva. Mesmo
assim, quando a seleção entrou
em campo, todos os olhos do estádio procuraram em vão o rei
entre os titulares.
Pelé foi um dos últimos atletas a entrar em campo, e vê-lo
com a camisa 13 foi um choque
inesquecível. Era como se a ordem do universo tivesse sido alterada, e corrêssemos todos o
risco de cataclismos indizíveis.
O próprio Tostão, com o 10 às
costas, parecia constrangido.
Um usurpador involuntário.
Após um instante de silêncio e
perplexidade, uma vaia ensurdecedora fez tremer o Morumbi. Por terem sido desafiados,
os deuses nos puniram com um
jogo medíocre e sem gols.
Cada vez que Paulo César
-que ainda não era Caju, mas
já era craque até a medula-
pegava na bola, era apupado
como um pária, como se toda a
culpa fosse dele.
Explica-se: o torcedor paulistano queria Edu, o endiabrado
ponta-esquerda do Santos, um
dos maiores dribladores que o
Brasil já teve.
No segundo tempo, Pelé entrou no lugar de Tostão, e Ri-
vellino (outro preferido da torcida) substituiu Clodoaldo. O
jogo melhorou um pouco, mas
não o suficiente para alterar o
placar e o humor do público.
Como todo mundo, saí do estádio cabisbaixo, rangendo os
dentes e chutando latas, convencido de que, pelo menos no
futebol, a monarquia é uma
instituição sagrada.
A evocação sentimental acima pode reforçar a falsa idéia
de que o torcedor tem sempre
razão -e o mito de que foi o
"povo brasileiro" que escalou a
seleção titular da Copa de 70.
Mas não é bem assim.
O mergulho no passado me levou ao Banco de Dados da Folha, onde pesquisei a imprensa
da época.
Na "Placar", encontrei uma
pesquisa de opinião entre torcedores de São Paulo, Rio, Belo
Horizonte, Porto Alegre e Recife sobre a seleção ideal para a
Copa do México. Eis o time escalado pelo "povo brasileiro":
Félix; Carlos Alberto, Brito,
Fontana e Marco Antonio;
Gérson e Rivellino; Rogério,
Tostão, Pelé e Edu.
Ou seja, da equipe que acabaria sendo titular no México,
quatro estavam de fora: Piazza, Everaldo, Clodoaldo e Jairzinho. Este último, vale lembrar, foi o artilheiro e uma das
estrelas do time, com sete gols
em seis jogos. Não, o povo nem
sempre tem razão.
²
E-mail: jgcouto@uol.com.br
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