UOL


São Paulo, quinta-feira, 24 de abril de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

FUTEBOL

Bom exemplo, garoto

SONINHA
COLUNISTA DA FOLHA

Mais uma história é revelada, entre muitas que ficam escondidas: Kléber, jogador do São Paulo, resolveu contar que cometeu alguns delitos na adolescência. A uma certa altura, vendo claramente que a barca era furada, renunciou a essa vida e passou a se dedicar só ao futebol. A ajuda de uma psicóloga, da família, a confiança na sua igreja e o fato de ter uma boa opção -a chance palpável de ser profissional- foram fundamentais para que tivesse o sucesso na mudança.
Kléber não era rico, mas não "passava precisão". Por que roubava? O (ainda) garoto foi honesto: por ambição, sonhos de consumo. Ele queria ter mais do que conseguiria por meios "normais".
Essa praga está na raiz dos nossos males. Quem não quer ter uma roupa nova, um tênis bacana, um carro da hora, um baita som e uma TV? Inclusive quem não tem condições para isso (quanto mais os adolescentes!). E somos nós (a mídia e o mundo todo) que vendemos essa idéia nada educativa de que você precisa ter algumas coisas para ser alguém, para ser respeitado e feliz. Quantas propagandas ridicularizam o dono do carro velho, o sujeito feioso e mal vestido, a menina gordinha que não faz academia e exaltam o motorista prepotente do carro importado, a mulher mentirosa e insaciável, como se fossem modelos a se imitar, os exemplos de gente bem-sucedida?
A rapaziada da periferia pode não ter o sonho de se realizar em uma profissão, de viajar e conhecer o mundo, de encontrar alguém especial e ter conforto em uma casa simples com uma família legal. Muitos adolescentes não sabem responder o que querem fazer da vida; às vezes não têm nem o sonho-chavão de querer ser artista famoso ou jogador de futebol. Mas o sonho do consumo eles têm. Querem ter dinheiro para comprar o que não precisam.
Quem não tem emprego e dificilmente vai ter, quem não teve infância e nunca terá, quem não tem boas perspectivas na vida pode fazer bobagens para conseguir seus prazeres. Adolescentes bem-nascidos e bem-criados o fazem, imaginem os outros. Com metas ambiciosas e chances ínfimas de alcançá-las decentemente, muitos trocam o salário infame (quando houver) por uma boa grana para trabalhar com a bandidagem.
Kléber é um bom exemplo de alguém que abriu mão dos desejos bestas por algo mais correto, mais seguro e mais justo. Todo mundo tem a possibilidade de reagir a qualquer pressão, sugestão ou influência. Mas, como ele contou, dos nove garotos que foram levados um dia para um teste no São Paulo, só ele ficou. E os outros? Será que têm a mesma estrutura e fé para seguir um caminho correto?
Ele cobra providências das autoridades e tem razão. O governo deve oferecer educação e os outros direitos fundamentais e criar condições para geração e redistribuição de renda. E nós? Não devemos educar, transferir, redistribuir?
Kléber ajuda um time de garotos lá no seu pedaço -conversa, acompanha os treinos, compra-lhes tênis e bolas. Taí: exemplo para eles, exemplo para nós.

Adolescentes?
Os resultados do Santos dificilmente dizem o que foi o jogo, mas sempre condicionam as análises. Se Robinho e Diego tiverem dez lances geniais e o time não vencer, ninguém se lembra das jogadas e muitos reclamam: "Não são os mesmos". Se vencer, os mesmos lances serão festejados como "a volta do talento e do futebol moleque". O fato é que o Santos, neste ano como no ano passado, às vezes joga mal, mas, quando joga bem, é uma delícia.

Maduros?
Do Cruzeiro eu já esperava um grande campeonato. Acho o elenco melhor do que as pessoas dizem ("o time é só o Alex"). Mas o Galo está me surpreendendo com o futebol legal e uma campanha espetacular.

E-mail
soninha.folha@uol.com.br


Texto Anterior: Ação - Carlos Sarli: Cabeça quente
Próximo Texto: Futebol: Gols voltam a coroar "Ronaldo de ferro"
Índice


UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.