São Paulo, domingo, 24 de abril de 2011

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TOSTÃO

Liberdade


No futebol e em grande parte da sociedade, os melhores, com frequência, não são os escolhidos


DI STÉFANO, adorado pelos madrilenhos, presidente de honra do Real Madrid, foi duro nas críticas à maneira de jogar do time, após o empate, no primeiro jogo dos quatro contra o Barcelona. No segundo, o Real ganhou por 1 a 0, na prorrogação.
Sei que a imprensa usa de expressões para causar impacto, mas repetir que o Barcelona fracassou é demais. O time perdeu para o Real, segundo melhor do mundo, com muitos craques, um excelente técnico e um elenco melhor que o do rival.
Independentemente se Di Stéfano tem razão e dos resultados das quatro partidas, minha admiração é à sua liberdade de dizer o que pensa, mesmo tendo profundos laços afetivos com o clube. A idade ajuda. Chega um tempo em que as pessoas perdem o pudor e o constrangimento de falar o que sentem.
Peço licença para repetir uma história. Muitos não a conhecem.
Durante a Copa de 1994, almoçava no restaurante do centro de imprensa, quando um senhor mais velho sentou-se a meu lado com sua bandeja e elogiou a seleção brasileira de 1970, sem dizer o nome e sem pose de importante.
No instante, pensei que era um jornalista. Era ele, Di Stéfano, o melhor do mundo de todos os tempos depois de Pelé, segundo meu pai e grande número de pessoas que o viram atuar.
Como é bom vê-lo lúcido e dizendo o que pensa. Nas profundezas da alma, onde moram os mais estranhos e sinceros desejos, o ser humano sonha ser livre, para escolher seu caminho, mesmo que errado, e para falar o que sente, mesmo se não agradar.
Vivemos em um mundo de conveniências e de troca de favores. No futebol, isso é bem evidente.
"É dando que se recebe", uma praga nacional. Há pessoas tão educadas socialmente, que até parecem sérias.
Os escolhidos não são, com frequência, os melhores. São os que têm bons relacionamentos. Se forem os melhores e participarem de boas patotas, serão ainda mais eleitos.
Como disse o antropólogo Roberto DaMatta, com seus amplos conhecimentos, no programa "Redação Sportv", o futebol, dentro de campo, é exceção, porque todos sabem quem são os melhores. Não dá para enganar. Mesmo assim, receio que os marqueteiros, cada dia mais poderosos, transformem os bonzinhos em craques.
Sei que a total liberdade é uma utopia. O mundo tem leis, regras sociais e valores éticos. Temos de respeitá-los. Pagamos também um preço por isso, por sublimar e reprimir nossos instintos. Temos de aprender a viver em grupo, sem vender a alma.


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