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País do futebol?
Porrada família
Em Fortaleza, donas de casa, adolescentes e até crianças de colo ajudam a lotar ginásios para assistir a show
de pancadaria
EDUARDO OHATA
ENVIADO ESPECIAL A FORTALEZA
Enquanto aguardam a liberação para a entrada do público,
famílias inteiras discutem animadamente suas expectativas
sobre o espetáculo que presenciarão em poucos momentos.
Alguns pais levam nos braços
crianças de colo que não entendem a intensa movimentação
que acontece ao seu redor.
Acompanhada do marido,
Glécia, grávida de seis meses,
conta, enquanto acaricia sua
barriga, que se interessou por
influência do marido, Leandro.
A empresária Vera Soares,
48, diz que o show não a agrada.
Ela explica que deixará o filho,
Marcelo, 12, na fila e, mais tarde, retornará para buscá-lo.
""Vou deixá-lo com eles", informa, enquanto aponta para
grupo de pessoas que acabara
de conhecer na fila. ""No ano
passado, minha irmã o levou a
um evento. Entrei, vi o número
de seguranças, o ambiente
tranquilo. Ele ficará seguro."
O público não aguardava um
show de música pop, tampouco
a vaquejada, atração que disputava a atenção na capital cearense no fim de semana.
Uma faixa nos portões do ginásio anunciava: ""Vale-Tudo",
a luta que permite socos, chutes e técnicas de solo (como no
jiu-jítsu e no judô). E cujos organizadores procuram distanciar sua imagem das brigas de
rua e violentas rixas entre academias. Apesar da faixa.
""Antigamente havia rivalidade entre academias, o que afastava o público, e também confronto entre torcedores. Agora
é mais profissional", argumenta Amauri Bitetti, que participou do UFC (maior evento da
modalidade) em seus primórdios e hoje organiza combates.
Além do Jungle Fight, principal torneio de vale-tudo do
país, que teve sua última edição
acompanhada pela Folha, há
duas semanas, no Ceará são
disputados outros eventos.
Mas não reúnem o público
de 7.000 pessoas do Jungle
Fight, o dobro do que atraem
certas partidas do Fortaleza,
campeão estadual de futebol.
No interior do ginásio Paulo
Sarasate, havia spots de luz e
música hip hop em volume altíssimo. E, de um fundo negro,
envolto por gelo seco, saíam os
lutadores e seu entourage, que
percorriam uma passarela para
chegar à área dos duelos.
Se o cenário era de show e
balada, a reação do público não
poderia ter sido mais adequado. Jovens mulheres, com latinhas de cerveja nas mãos, frequentemente nem davam bola
para as lutas. Preferiam arriscar passos de dança ao som das
músicas que acompanhavam as
apresentações dos lutadores.
Nas arquibancadas, fãs faziam coreografias em grupos.
Com a aparência frágil, cabelo adornado com xuquinhas coloridas e pulseirinhas nos braços, Lila Ribeiro, 13, vibrava.
""Na escola, falam que [vale-
-tudo] não é de menina, que é
perigoso. Mas eu gosto", conta.
O centro do ginásio abriga a
jaula em formato de octógono,
que replica a arena do Ultimate
Fighting Championship, mais
bem-sucedida promoção da
modalidade hoje. Faz parte da
dramaticidade. Afinal, são, em
suas próprias palavras, ""gladiadores do futuro". Ou seja, respeitam algumas regras.
A discrepância entre as realidades da promoção nacional e
a americana começa pelos ingressos. O mais barato da centésima edição do UFC, em julho, no hotel-cassino Mandalay
Bay, em Las Vegas (EUA), custa
US$ 250 (cerca de R$ 500). Os
preços dos ingressos do Jungle
Fight iam de R$ 15 a R$ 60.
Adolescentes tiravam, com
seus celulares, fotos em grupo
em frente ao octógono. Empolgados, com os punhos cerrados, simulando ser lutadores.
O anunciador de ringue se
mostrou desinformado. Por
três vezes pediu palmas para
""Minotouro". Entretanto
quem era homenageado naquele momento era ""Minotauro", irmão de ""Minotouro".
E, ao anunciar a vitória de
um lutador, inventou o ""nocaute por submissão" (ou você
vence de uma forma ou por outra). Não que tenha feito diferença para os fãs. Alguns diziam saber ""muito" de vale-tudo. Mas, quando questionados
sobre os atletas da programação, admitiam que só conheciam o ""Minotouro" e ""um cearense que não lembro o nome".
Enquanto rolavam as preliminares, muitos fãs se posicionavam de costas para o octógono para fotos. Apenas a luta de
fundo mereceu a atenção total.
Aproveitando que o holandês Dion Staring entra no octógono de boina e uniforme de
soldado, selecionaram para
acompanhar sua entrada música do filme ""Tropa de Elite".
Durante os intervalos entre
os assaltos, não raro as garotas
do ringue provocavam reação
mais forte do que muitas preliminares. O público feminino
não achava ruim. Ao contrário,
dava risadas ao ouvir os gritos e
os assobios dos homens.
Além de calças bem apertadas e tops de tigrinho, muitas
usavam saias que mostravam
generosas porções das pernas.
Transitavam entre membros
de academias, tal qual um com
visual lenhador, careca, com
camiseta quadriculada, sem
manga, meio aberta para deixar à mostra os seus músculos.
Afinal, como definiu Wallid
Ismail, organizador da programação, enquanto gesticulava
em direção às arquibancadas:
""Isto aqui é entretenimento".
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