São Paulo, sábado, 24 de junho de 2006

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A diáspora de Gana

De Israel à Alemanha, da Turquia à Suécia, adversário do Brasil nas oitavas reúne jogadores que atuam por 11 países, um recorde

FÁBIO VICTOR
ENVIADO ESPECIAL A WÜRZBURG

O Brasil chegou a pensar que pegaria nas oitavas-de-final da Copa a Itália, uma das únicas seleções 100% nacionais do torneio, em que os 23 convocados atuam no próprio país (a outra é a Arábia Saudita). Enfrentará o extremo oposto. Gana, rival do jogo da próxima terça, é, entre as 32 participantes, a que tem o elenco mais espalhado pelo mundo. Os seus jogadores estão dispersos por 12 diferentes países, incluindo o natal. Fora os quatro que atuam em Gana, os "Estrelas Negras" assim se dividem: três na Alemanha, três na Itália, três em Israel, dois na Turquia, dois na Dinamarca e um em Suíça, França, Suécia, Holanda, Inglaterra e Sérvia e Montenegro. A presença estranha em Israel, o que tem menos tradição no futebol, pode ser explicada pelas boas relações diplomáticas entre os dois países. Na vitória sobre a República Tcheca, o lateral Pantsil comemorou os gols de Gana exibindo uma bandeira de Israel, o que causou revolta no mundo árabe e gerou um pedido de desculpas da federação ganesa. Pantsil, um dos ganenses que atuam no Oriente Médio, disse que quis agradecer o apoio que recebe dos israelenses. Em Gana, utiliza-se a expressão "green pasture" para sintetizar os motivos de tamanho êxodo. "Pasto verde". É um trocadilho envolvendo a erva que alimenta o gado e a cor do dinheiro. Num país miserável, com expectativa de vida de 58,8 anos e mais de 30% da população vivendo abaixo da linha de pobreza, o futebol é uma das poucas vias de ascensão social. "Todos sabem que Gana está cheia de talentos, e vão lá buscá-los. Os garotos, sem perspectiva nenhuma, ficam encantados e vão na mesma hora", diz Robert Sackey, olheiro da seleção. "Se Freddy Adu recebe US$ 1 milhão, você acha que ele vai querer defender Gana só por amor à camisa?", questiona, referindo-se àquele que é o maior símbolo da diáspora. O meia-atacante Adu impressionou o mundo ao assinar, aos 13 anos, um contrato de US$ 1 milhão com a Nike. Em 1997, ainda criança, ele deixou Gana com a mãe e aterrissou nos EUA. Hoje, é cidadão americano e defende a seleção do país -mas, ainda com 16 anos na época da convocação, ficou fora do grupo que foi à Copa, ironicamente eliminado na primeira fase pelos ganenses. "Se o dinheiro for bom, eles vão embora, não importa para onde. Cara, eles vivem em Gana. Se oferecerem um bom salário para ir jogar na Lua, eles nem pensam duas vezes", afirmou o torcedor Kwabena Adjei, ganense que vive nos EUA e fazia plantão ontem no hotel e que o time está em Würzburg. A fuga em massa de jogadores de ponta não pode ser vista simplesmente como efeito do futebol quase amador de Gana. Basta notar que, apesar do fosso que os separa em termos financeiros, Gana não está tão distante assim da seleção, também ela uma reunião de craques que deixaram o país em busca de mais dinheiro. O Brasil de hoje é o mais "estrangeiro" da história das Copas -só 3 dos 23 jogadores atuam no futebol do país.


Colaborou RODRIGO MATTOS , da Reportagem Local


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