São Paulo, terça-feira, 24 de julho de 2007

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SONINHA

Deslealdades e deslizes

Ninguém sofre tanto com seus erros quanto o próprio atleta. E ninguém é punido com tanto rigor

O DOPING é, provavelmente, tão antigo quanto o esporte -afinal, o uso de substâncias estimulantes, calmantes etc. é contemporâneo à própria humanidade. Nossos ancestrais já consumiam folhagens, sementes, chás, poções para se sentirem mais dispostos, alertas ou resistentes.
Não é por ser antigo que um hábito é respeitável e deve ser mantido. Felizmente, vários costumes caíram em desuso. E o doping no esporte é vigorosamente combatido. O controle antidoping procura evitar a deslealdade, proteger a saúde e a integridade de todos os competidores. Sim, porque, além de desequilibrar a disputa desonestamente e de acarretar incapacidades permanentes, danos hereditários e até a morte, o uso de certas substâncias pode causar alterações de humor perigosas para os circundantes. Mas os critérios e os parâmetros sempre podem ser discutidos. Todo atleta de ponta consome uma infinidade de suplementos que, dependendo da interpretação, poderiam ser considerados proibidos -por haver "provas" de que "têm potencial para melhorar ou melhoram efetivamente o rendimento desportivo", como estabelece o artigo 4.3.1.1 do Código da Agência Mundial Antidoping (Wada). Mas a presença de qualquer substância da lista proibida constitui uma infração aos princípios da "saúde, justiça e igualdade", ou "ética, fair play e honestidade", mesmo que não haja nenhuma intenção nesse sentido.
O Código em si, apesar de rigoroso, prevê exceções. Algumas substâncias são proibidas acima de determinada concentração; outras, só no período de competição ou em alguns esportes. Também se prevê a autorização para uso terapêutico; admite-se que, sob certas condições, há substâncias que podem ser produzidas pelo corpo, e que a presença de algumas delas no organismo de um atleta pode se dar independentemente de sua vontade e conhecimento e não decorrer de negligência de sua parte. Acontece, por exemplo, quando rótulo ou bula não contém a relação completa de ingredientes.
Aplicando o princípio da responsabilidade objetiva, o Código estabelece que basta a presença de uma substância proibida para que haja violação às regras antidopagem -mas não a condenação sumária do atleta. Mas a divulgação dos resultados, a reação de autoridades, especialistas e comentaristas e a punição imediata e preventiva levam a isso.
Mesmo que se conclua que Dodô não foi desleal ou descuidado, ele já foi impedido temporariamente de jogar. O caso de Jaqueline é pior: se o inibidor de apetite estava no chá que tomou "por vaidade", será condenada por negligência. Simplesmente porque "deu bobeira", ficará proibida de trabalhar por muito tempo.
Claro que a negligência merece críticas e sanções. Um atleta de ponta sacrifica tanto da vida pelo seu desempenho, como pode por tudo a perder por tão pouco? Mas ninguém sofre tanto quanto ele com seu deslize; precisamos ser tão severos na condenação moral? As autoridades do esporte cometem deslizes e, pior, deslealdades. Mas raramente recebem punições, nem sequer temporárias. Seria interessante se todas advogassem pelo mesmo rigor para tudo o que prejudica o esporte, venha de onde vier.

soninha.folha@uol.com.br


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