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o maratonista
Esqueça as delícias da modernidade: nos pratos históricos do restaurante de Atenas o forte é porco com ameixas e purê de terra, comido deitado de lado em um divã, vestindo túnica e com os pés lavados por uma manicure
BANQUETE dos antigos
PAULO SAMPAIO
ENVIADO ESPECIAL A ATENAS
A maratona olímpica das mulheres imprime à andança algo de
"passaram por cima de mim"
-mas caminhar é preciso. Depois de três quilômetros, na altura
de Gerakas, em uma desesperada
tentativa de entender qual o recheio de um bolinho na padaria,
aparece um curioso para ajudar.
Logo depois que se resolve o problema do recheio, vem a pergunta: "Está em Atenas para cobrir os
Jogos Olímpicos?", quer saber
Yannis Adamis, 50, depois de ler a
palavra mágica "dimosiografos"
(jornalista) no crachá.
Ele então convida para conhecer o seu restaurante, o Archéon
Gefsis (literalmente, antigos paladares), que se propõe a servir o
que os gregos comiam na Antigüidade. O lugar é bastante conhecido na cidade, e a idéia de incorporar o mensageiro Phideipedes à mesa parece engraçada.
O restaurante é um casarão de
paredes grossas de pedra e mesas
toscas de madeira, que parece cenário do seriado Zorro. Quem recebe é a mulher de Yannis, Souli,
uma morena exuberante de 45
anos, que solta a decoreba:
"Estudei durante dez anos antes
de criar esse cardápio -minha
fonte de pesquisa foi o Deipnosophist, uma espécie de enciclopédia editada por Atheneus, filósofo
que, dois séculos depois de Cristo,
estudou os costumes de
cinco séculos anteriores.
Sua pesquisa foi feita em
cerca de 2.800 livros na
biblioteca de Alexandria, no Egito, que depois pegou fogo".
Após a explanação,
Souli aborda detalhes
práticos. Diz que ali só
se come com colher.
Não havia garfos na Antigüidade. "Só de 200
anos para cá começou-se a usá-lo. Primeiro, na
França, depois, na Inglaterra", diz.
Uma garçonete vestida com uma túnica
branca amarrada em
um ombro só, coroa de
galhos na cabeça e uma
sandália baixa dourada
traz um copinho com
vinho e mel. "Não existe isto em
outro lugar do mundo. Prove",
Souli manda. Bom.
O cardápio tem 35 pratos, seis
saladas diferentes: nada de tomate, batata, limão, laranja nem espaguete, tortas ou chocolate
-não havia nada disso na época.
E sobrou algo para comer? "Basicamente carnes assadas recheadas com frutas", informa Souli.
O prato escolhido é o best-seller
do restaurante: porco com ameixa, acompanhado de uma gororoba verde feita de grãos amassados, que, no fim das contas, tem
gosto de purê de terra. Não é ruim
nem maravilhoso -para a época
está excelente. Custa 15,50. Os
preços vão de 6, uma entrada,
até 27, a perna de cabra, que, segundo o cardápio, é citada em
uma peça de Aristófanes.
Souli continua: "Comer algo
saudável era uma preocupação na
época, e os homens costumavam
se exercitar sem roupa, para que
todos pudessem se ver em forma:
o radical gymnos, o mesmo de
gymnastic, quer dizer nu", ela explica. No berço da pederastia clássica, é impossível não lembrar do
antigo bordão de Jô Soares: "Tem
pai que é cego!".
Antes da sobremesa, Souli convida para visitar o espaço que costuma alugar para a realização de
simpósios, como os banquetes
eram chamados no passado. Oito
divãs estão dispostos ao redor da
sala de cerca de 100 m2, todos
com braço apenas do lado esquerdo: "Acreditava-se que isso facilitaria
a digestão, já que o estômago tem um ligeira
queda para aquele lado",
explica.
Ela diz que, nesses
simpósios, o cliente e
seus convidados trocam
a roupa por túnicas, tiram os sapatos e têm os
pés lavados e tratados
por uma manicure. "Seguimos a tradição", diz,
enquanto demonstra, na
hora da foto, como segurar o prato.
Sobremesa: doces à
base de iogurte e frutas
secas. Cafezinho? Não,
não tinha na época. Então, chá, e "efharisto poli", muito obrigado.
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