São Paulo, terça-feira, 24 de agosto de 2004

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o maratonista

Esqueça as delícias da modernidade: nos pratos históricos do restaurante de Atenas o forte é porco com ameixas e purê de terra, comido deitado de lado em um divã, vestindo túnica e com os pés lavados por uma manicure

BANQUETE dos antigos

PAULO SAMPAIO
ENVIADO ESPECIAL A ATENAS

A maratona olímpica das mulheres imprime à andança algo de "passaram por cima de mim" -mas caminhar é preciso. Depois de três quilômetros, na altura de Gerakas, em uma desesperada tentativa de entender qual o recheio de um bolinho na padaria, aparece um curioso para ajudar. Logo depois que se resolve o problema do recheio, vem a pergunta: "Está em Atenas para cobrir os Jogos Olímpicos?", quer saber Yannis Adamis, 50, depois de ler a palavra mágica "dimosiografos" (jornalista) no crachá.
Ele então convida para conhecer o seu restaurante, o Archéon Gefsis (literalmente, antigos paladares), que se propõe a servir o que os gregos comiam na Antigüidade. O lugar é bastante conhecido na cidade, e a idéia de incorporar o mensageiro Phideipedes à mesa parece engraçada.
O restaurante é um casarão de paredes grossas de pedra e mesas toscas de madeira, que parece cenário do seriado Zorro. Quem recebe é a mulher de Yannis, Souli, uma morena exuberante de 45 anos, que solta a decoreba:
"Estudei durante dez anos antes de criar esse cardápio -minha fonte de pesquisa foi o Deipnosophist, uma espécie de enciclopédia editada por Atheneus, filósofo que, dois séculos depois de Cristo, estudou os costumes de cinco séculos anteriores. Sua pesquisa foi feita em cerca de 2.800 livros na biblioteca de Alexandria, no Egito, que depois pegou fogo".
Após a explanação, Souli aborda detalhes práticos. Diz que ali só se come com colher. Não havia garfos na Antigüidade. "Só de 200 anos para cá começou-se a usá-lo. Primeiro, na França, depois, na Inglaterra", diz.
Uma garçonete vestida com uma túnica branca amarrada em um ombro só, coroa de galhos na cabeça e uma sandália baixa dourada traz um copinho com vinho e mel. "Não existe isto em outro lugar do mundo. Prove", Souli manda. Bom.
O cardápio tem 35 pratos, seis saladas diferentes: nada de tomate, batata, limão, laranja nem espaguete, tortas ou chocolate -não havia nada disso na época. E sobrou algo para comer? "Basicamente carnes assadas recheadas com frutas", informa Souli.
O prato escolhido é o best-seller do restaurante: porco com ameixa, acompanhado de uma gororoba verde feita de grãos amassados, que, no fim das contas, tem gosto de purê de terra. Não é ruim nem maravilhoso -para a época está excelente. Custa 15,50. Os preços vão de 6, uma entrada, até 27, a perna de cabra, que, segundo o cardápio, é citada em uma peça de Aristófanes.
Souli continua: "Comer algo saudável era uma preocupação na época, e os homens costumavam se exercitar sem roupa, para que todos pudessem se ver em forma: o radical gymnos, o mesmo de gymnastic, quer dizer nu", ela explica. No berço da pederastia clássica, é impossível não lembrar do antigo bordão de Jô Soares: "Tem pai que é cego!".
Antes da sobremesa, Souli convida para visitar o espaço que costuma alugar para a realização de simpósios, como os banquetes eram chamados no passado. Oito divãs estão dispostos ao redor da sala de cerca de 100 m2, todos com braço apenas do lado esquerdo: "Acreditava-se que isso facilitaria a digestão, já que o estômago tem um ligeira queda para aquele lado", explica.
Ela diz que, nesses simpósios, o cliente e seus convidados trocam a roupa por túnicas, tiram os sapatos e têm os pés lavados e tratados por uma manicure. "Seguimos a tradição", diz, enquanto demonstra, na hora da foto, como segurar o prato.
Sobremesa: doces à base de iogurte e frutas secas. Cafezinho? Não, não tinha na época. Então, chá, e "efharisto poli", muito obrigado.


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