São Paulo, sexta-feira, 24 de setembro de 2010 |
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XICO SÁ Raskolnikov da bola
AMIGO TORCEDOR, amigo secador, jurei que não falaria mais do episódio Neymar, este Raskolnikov da bola, mas o caro Mano Menezes caiu também na moral do crime e castigo, me deu motivo, como cantaria Tim Maia, nosso eterno síndico. O técnico da canarinha seguiu o coro igrejeiro das Senhoras de Santana da bola e expôs o nosso Raskolnikov a mais um linchamento público. Nunca esse país foi tão correto e moralista. Parece um sonho. É, velho Augusto Comte, finalmente cumprimos nossos ideais positivistas, honrando o ordem e progresso da bandeira. Só se fala em quebra de hierarquia, bons costumes e comportamentos exemplares. No caso do goleiro Bruno, não se viu tanta histeria da macharada como agora. Rolou até um certo silêncio dos homens que amam o futiba. Por que Neymar desperta tanto ódio? Por que desejam torná-lo apenas um menino obediente e bem comportado? Juro que também não sei a resposta -escrever é deixar o leitor entre bolas divididas. Qual crime teria cometido, de fato, o nosso Raskolnikov ludopédico? Ocultação de cadáver? Tudo bem, enquadremos o moço por desacato a autoridade, relembrando a desobediência civil ao professor Dorival Jr. Pediu desculpas, foi exposto aos urubus de plantão e punido ao ver, da arquibancada do Brinco de Ouro da Princesa, o projeto Drible Zero, em um jogo em que o Peixe chutou apenas uma bola a gol e as fintas pareciam definitivamente proibidas. Aí quiseram tirar o abusado rapaz do clássico contra o campeão brasileiro de 2010, o Corinthians. Seria abusar demais da torcida, inclusive abusar da massa alvinegra adversária, porque é mais gostoso triunfar com o menino da 11 em campo. Como disse um primo corintiano do Parque São Rafael, berço da nossa família na Zona Leste, Neymar encarna o papel daquele cara marrento que come a mina mais gostosa do bairro e deixa todos os concorrentes putos. Deixemos o nosso Raskolnikov em paz com a sua consciência, já foi deveras atormentado nas últimas semanas. Nem sei como conseguiu jogar tanto contra o melhor time do campeonato, embora a obediência 100% o tenha deixado tímido. Prova de que tem a cabeça mais no lugar do que toda uma nação de homens íntegros, ímpios e sensatos. Raskolnikov, amigo, é aquele rapaz perturbado do livro "Crime e Castigo", do russo Fiodor Dostoiesvsky. Recomendo a leitura para a gente entender melhor o mundo. xico.folha@uol.com.br @xicosa Texto Anterior: Cartolas são bons de voto, diz especialista Próximo Texto: Brasil fica perto de recorde negativo Índice | Comunicar Erros |
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