São Paulo, quinta, 24 de setembro de 1998

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MATINAS SUZUKI JR.
Batismo

A primeira coisa que me ocorreu, ao ver os movimentos iniciais da seleção brasileira de Luxemburgo, foi como é bom ver um time nacional com liberdade em campo: liberdade de movimentação tática, liberdade para criar jogadas e até uma ausência de medo de tentar o drible, um dos principais diferenciais do futebol local.
Está certo que a formatação tática iugoslava que iniciou o jogo de ontem (o que pude vislumbrar através das imagens da TV que, como se sabe, narram um outro jogo que não o jogo real), com cinco zagueiros posicionados muito atrás, favorecia a desenvoltura de Rivaldo, Marcelinho, Denílson e cia. nos jardins da cidadela inimiga.
Mas, para quem estava acostumado a acompanhar a rigidez de posicionamentos táticos do longo período Parreira-Zagallo, a maior flexibilidade de movimentos dos jogadores apareceu com a anunciação de uma primavera, exatamente no começo da primavera.
Luxemburgo iniciou o seu período com uma formatação que prefere neste momento: dois volantes que se mexem muito e que podem criar jogadas de ataque, com o setor sendo complementado, pelo lado esquerdo, por Rivaldo (que atuou mais avançado do que Ricardinho, mais ou menos na mesma função, que joga no Corinthians).
Marcelinho, pela direita, e Denílson, pela esquerda, ambos em moto-perpétuo, compunham uma ativa figura geométrica de cinco lados que, em alguns momentos do primeiro tempo, chegou a empolgar.
Apesar da menor rigidez no formato tático da seleção atual, algumas peças não se encaixaram direito.
Uma delas, Muller, quem, mesmo no período de maior liberdade de ação brasileiro no primeiro tempo, não achou o local ideal de jogo. Um desafio para Wanderley resolver (é preciso corrigir o posicionamento de Muller ou ter um jogador com o perfil de definidor no ataque?).
A outra peça dissonante foi o excelente jogador Felipe, que não soube construir um diálogo com Denílson e consolidar, com isso, uma presença mais constante pelo flanco de ataque esquerdo.
Serginho, no segundo tempo da partida, foi mais efetivo sob esse aspecto.
Uma sequência de vacilos entre Vampeta-Marcos Assunção e Antonio Carlos-Cléber permitiu uma enfiada de bola no meio-campo para o gol iugoslavo, descontado depois por Marcelinho e por uma frequência de lufadas ofensivas que indicavam que a seleção brasileira iria definir, naquela altura, o jogo a seu favor.
Mas o técnico iugoslavo percebeu o seu erro, redesenhou o modo de marcar (cinco marcadores atrás era demasiado, na medida em que a equipe dirigida por Wanderley Luxemburgo não jogava com nenhum jogador plantado na zona da chamada meia-lua) e os brasileiros passaram a enfrentar as dificuldades que eram de se esperar, em um ritual de iniciação contra um time de jogadores habilidosos.
No balanço final, ficou a sensação de que, se existe um jogador que vai ter ralar, daqui para a frente, para conseguir se manter nesta seleção, é o zagueiro Cléber.
E de que é preciso dar tempo ao tempo, essa sabedoria de viver que a inquietude do torcedor jamais aprenderá. Ele não aceita um batismo em fogo brando.
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Matinas Suzuki Jr. é diretor editorial-adjunto da editora Abril e escreve às quintas



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