São Paulo, quinta-feira, 24 de outubro de 2002

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FUTEBOL

Tese de doutorado de sociólogo mostra que o futebol no Rio paga melhor e dá mais garantias a jogadores brancos

Bola discrimina negros, afirma estudo

FERNANDA DA ESCÓSSIA
SÉRGIO RANGEL
DA SUCURSAL DO RIO

No Brasil de Pelé e Ronaldo, no país pentacampeão com uma equipe de maioria negra e mulata, os jogadores negros enfrentam o racismo, ganham menos que os brancos e não têm no esporte uma garantia de ascensão social.
É o que conclui a tese de doutorado do sociólogo José Jairo Vieira, defendida no Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro. Uma síntese será apresentada hoje na Anpocs (Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais), em Caxambu (MG).
Questionários feitos com 327 jogadores de 17 clubes do Rio mostram que, enquanto 26,6% dos atletas brancos ganham até um salário mínimo, entre negros a proporção é de 48,1%. No total de jogadores, é de 34,9%.
No alto da pirâmide salarial, 24,8% dos brancos ganham mais de 20 salários mínimos; entre negros, o percentual é de 14,8%, abaixo do verificado no conjunto de jogadores (17,1% ganhando mais de 20 salários mínimos).
Dos atletas que responderam aos questionários, 25% eram negros, 41% pardos e 34% brancos, indicando uma parcela maior de negros em relação à população nacional -6,2% de negros, 39,1% de pardos e 53,8% de brancos, segundo o IBGE. Em 1999, diz o instituto, o rendimento médio dos brasileiros negros era menos da metade do obtido pelos brancos.
O estudo de Vieira mostra que o jogador de futebol negro não registra ascensão social imediata (53,9% disseram ter "melhorado" sua condição socioeconômica). A mobilidade foi mais comum entre brancos: 57,8% disseram ter subido na vida. Entre negros, embora 43,2% tenham ascendido socialmente, a condição mais comum foi a imobilidade: 53,1% se mantiveram no mesmo nível social.
Para 10,2% dos atletas, ser negro pode prejudicar a carreira. O percentual foi de 9% entre brancos e 17,1% entre negros.
Os atletas negros ainda enumeraram diferenças: o salário deles costuma atrasar mais, recebem menos convites para sair com os cartolas ou são tratados com desprezo. Outra discriminação está no tratamento: macaco, crioulo, gorila. "Muitos não consideram os apelidos discriminatórios. Ou seja, o racismo às vezes é tão velado que não é identificado nem pelas vítimas", diz Vieira, professor de sociologia do esporte na Universidade Federal de Viçosa.
Ele aponta posições que parecem "reservadas" aos negros. "Quando não pressupõe muita habilidade intelectual, como um "zagueiro raçudo", é comum ouvir que o ideal é um negão", afirma.
Por outro lado, aponta, são raros goleiros e técnicos negros na seleção brasileira. Segundo Vieira, o preconceito contra o goleiro negro aumentou depois de Barbosa, da seleção derrotada no Maracanã na final da Copa de 1950.
"Quanto a técnicos negros, tivemos dois: Gentil Cardoso, em 1957, e Wanderley Luxemburgo, se é que ele se considera negro ou pardo", afirma Vieira, que coordenará na Anpocs um grupo sobre esporte, política e cultura, algo inédito nos 25 anos do encontro.
Negro, Vieira diz que Pelé e Ronaldo são exceções, mas reconhece que o futebol contribuiu para elevar a auto-estima do negro.



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