São Paulo, domingo, 24 de dezembro de 2000

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FUTEBOL

Carta ao Papai Noel

TOSTÃO
COLUNISTA DA FOLHA

Querido Papai Noel, sei que está muito cansado, cada dia mais pobre, fora de moda, mas gostaria muito de ganhar alguns presentes, que podem chegar no decorrer do próximo ano.
Nada utópico. Eu queria:
Que diminuísse a duração dos campeonatos regionais e aumentasse a do nacional. Esse, seria por pontos corridos, turno e returno.
Que os finais de semana fossem reservados para campeonatos estaduais e brasileiro, mas em épocas diferentes.
Que durante a semana não houvesse partidas de torneios diferentes.
Que uma equipe jogasse, no máximo, três partidas por semana, com intervalo mínimo de 66 horas.
Que os jogos da seleção não coincidissem com os dos clubes brasileiros.
Que os jogadores tivessem 30 dias de férias, mais 30 de pré-temporada.
Que os treinadores se inspirassem no São Caetano e criassem novas opções táticas.
Que diminuísse o número de faltas e violência no futebol brasileiro.
Que o Leão formasse uma ótima seleção.
Que a seleção brasileira classificasse para a próxima Copa do Mundo.
Que o Ronaldo, da Inter, voltasse a jogar seu excepcional futebol.
Que as CPIs chegassem a conclusões importantes e propusessem uma nova legislação para o futebol brasileiro.
Que o governo iniciasse as urgentes reformas de que o Brasil necessita.
Que existissem mais respeito, ética, ternura e também justiça no mundo.

 

Na minha infância, descia e subia as escadas para estudar e jogar bola. Desde os 7 anos ia sozinho até a escola pública, percorrendo a pé uns 20 quarteirões.
Hoje, os meninos não podem sair sozinhos por causa dos assaltos e da violência.
As escolas do governo não são tão boas quanto eram.
É a vida moderna. Melhoraram os recursos tecnológicos e pioraram as condições humanas, básicas e essenciais de vida.
A expectativa e a espera da chegada do Natal eram maravilhosas e misteriosas. Acreditava-se em Papai Noel. Dormíamos antes da meia-noite, para que o bom velhinho chegasse com os presentes pela chaminé, de trenó.
No dia seguinte, saíamos às ruas para brincar e compartilharmos os presentes.
Os adultos não eram tão distantes. Tão adultos.
Num dia de Natal, gritaram que o Papai Noel estava no pátio do prédio.
Desci como um foguete, pulando os degraus. Fiquei extasiado ao vê-lo. Ele existia de verdade. Dei-lhe um forte abraço e ganhei um pacote de balas.
Quando o velhinho foi embora, outro menino, mais velho, disse que o Papai Noel era o Alberto, nosso vizinho. Não acreditei.
Depois soube da verdade. Bem que desconfiava. Por que os meninos ricos ganhavam presentes melhores?
Percebi que o Papai Noel era uma metáfora. Uma lenda. Simbolizava um mundo de igualdade e fraternidade que existia somente no Natal.
Como se a ternura e solidariedade tivessem data marcada.

 

Contam que o jovem médico João Guimarães Rosa foi atender uma mulher que esperava um filho. Ao chegar à casa dela e ver a criança nascer, Guimarães Rosa ficou paralisado, chorando.
O menino nasceu sem problemas. Daí, Rosa abandonou a medicina. Foi ser apenas escritor. Criou uma nova linguagem. Genial e único!
""Da mulher que me chamaram: ela não estava conseguindo botar seu filho no mundo e era noite de luar, essa mulher assistindo num pobre rancho. Nem rancho, só um papiri à-toa.
Eu fui. Abri, destapei a porta que era simples encostada, pois que tinha porta; só não alembro se era um couro de boi ou um tranço de buriti. Entrei no olho da casa, lua me esperou lá fora. Mulher tão precisada: pobre que não teria o com quê para uma caixa-de-fósforo.
E ali era um povoado só de papudo e pernósticos. A mulher me viu, da esteira em que estava se jazendo, no pouco chão, olhos dela alumiaram de pavores.
Eu tirei da algibeira uma cédula de dinheiro, e falei: "toma, filha de Cristo, senhora dona: compra um agasalho para esse que vai nascer defendido e são, e que deve se chamar Riobaldo...". Digo ao senhor: e foi menino nascendo. Com as lágrimas nos olhos, aquela mulher rebeijou minha mão... Alto, eu disse, no me despedir: "Minha senhora dona: um menino nasceu o mundo tornou a começar! ..." e saí para as luas". (João Guimarães Rosa - ""Grande Sertão Veredas").


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