São Paulo, terça-feira, 25 de janeiro de 2011

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JOHN CARLIN

O perfeito cansa


O futebol do Barcelona é uma sinfonia, um concerto para violino. Mas a tensão é zero


PASSEI A VIDA inteira faminto por futebol bonito. E o devorei sempre que o encontrava, começando pela seleção brasileira da Copa de 1970. Agora que o vejo praticado toda semana, estou começando a perder o apetite por ele.
Estou me referindo ao Barcelona. Barcelona é a cidade em que vivo, o Barça é o time a que eu mais assisto. Jamais havia visto futebol tão consistentemente bonito e perfeito, na defesa ou no ataque, em qualquer outra equipe, em qualquer outra era. É uma sinfonia, um concerto para violino. Você contempla boquiaberto, admira, diz "Bravo!". Mas a tensão é zero -como em um concerto para violino.
Futebol é arte, mas também teatro vivo. E não há nada de teatral nessa versão do Barça. Ninguém fica sentado na beira da cadeira nos minutos finais do jogo, apavorado com a possibilidade de que o time ceda um gol ou que não seja capaz de conseguir o empate, porque a essa altura do jogo o drama já terá deixado o campo há muito tempo.
A partida de sábado serve como exemplo. Barcelona contra Racing Santander, um jogo que você sabe que os catalães vencerão. Mas está imaginando que o Racing talvez consiga resistir por algum tempo, causar um susto ou dois no adversário.
Não. O Barça marca no primeiro minuto da partida, e é isso. Só resta o concerto para violino.
Mesmo quando jogou o clássico dos superclássicos, o rótulo aplicado à sua partida contra o Real Madrid pelo primeiro turno do Campeonato Espanhol, o time simplesmente nos propiciou mais um desempenho irretocável, uma vitória por 5 a 0 cujo ponto de interesse não era o resultado, mas sim a forma de jogar do Barcelona.
É uma loucura. A pessoa passa a vida toda em busca da perfeição que o Barcelona FC representa e, quando a encontra, ela logo perde o brilho.
Talvez isso nos ensine alguma coisa sobre a vida. Até mesmo sobre o amor. Você se apaixona por uma mulher muito linda e maravilhosa, mas, se o amor perder o tempero, a tensão e o desejo, com o tempo pode se tornar chato, tedioso e previsível. E é assim que ele morre.
Talvez o Barça seja bonito demais, perfeito demais. Desejamos que essa beleza e essa perfeição sejam recompensadas; desejamos que o time vença. Em certo nível. Mas, por outro lado, seria bom para todo mundo, e para o esporte em si, que o time um dia perdesse. Porque assim nós, que o admiramos, recuperaríamos a emoção, a dramaticidade sem a qual o futebol não é futebol.

JOHN CARLIN é colunista do diário espanhol "El País"


Tradução de PAULO MIGLIACCI



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