São Paulo, sexta-feira, 25 de fevereiro de 2000


Envie esta notícia por e-mail para
assinantes do UOL ou da Folha
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

FUTEBOL
Velhas perguntas, novas respostas

JOSÉ ROBERTO TORERO

Sabemos todos que muitos jogadores, salvo honrosas exceções, como Ricardinho, Caio e Rogério Ceni, têm alguma dificuldade para se expressar.
Os erros de sintaxe que cometem, sua pronúncia equivocada e sua insistência em recorrer a lugares-comuns já foram alvo de milhares de piadas, sempre com sucesso para o público.
Pois bem, quero dizer aqui que não serei mais um desses. Ao invés da sátira, que é cruel e destrutiva, optarei por um gesto de humanidade e estenderei minha mão.
Como?
Acendendo uma vela, ao invés de amaldiçoar a escuridão; propondo novos estilos e novos fraseados para substituir suas respostas mais ordinárias.
Assim, penso, contribuirei para seu desenvolvimento pessoal e oferecerei aos sofridos ouvidos dos ouvintes um leque maior de possibilidades expressivas.
Vamos começar, então, do gênesis, da frase mais batida, mais frequente. Segundo minhas pesquisas ela é essa:
""O adversário é uma grande equipe, mas são 11 contra 11, e nós vamos dar tudo de si e, se Deus quiser, nós vamos sair daqui com a vitória."
Pois bem, para ""O adversário é uma grande equipe", proponho uma resposta poética:
""Ah, repórter, nossos oponentes são verdadeiros titãs. A simples menção de seu nome faz a terra tremer e os vagalhões do mar se agitarem. Eles são mais valentes do que leões, são mais rápidos do que águias e mais astutos do que serpentes. Bem-aventurado aquele que pode escapar de um duelo em que as chances de vitória são tão pequenas."
Para ""são 11 contra 11", sugiro uma resposta sociológica:
""... e o fato de sermos 11 contra 11 leva-me a pensar na idealidade dessa situação, pois que, havendo igualdade, há também justas condições de um enfrentamento equânime, o que, penso, deveria se estender ao conjunto da sociedade, em que, por força do domínio dos meios de produção por uns e da tibieza de outros enquanto classe, vigora a mais repulsiva injustiça."
Para o trecho ""vamos dar tudo de si", penso eu numa versão mais psicológica:
""Vamos dar tudo de si, meu caro repórter, e, quando digo ""tudo de si", creio que estou deixando falar meu subconsciente, pois dar tudo de si significa que o outro é que vai ter que se desdobrar. Chamo isso de ato falho cortês, o que se encaixa no arquétipo quixotesco, ou seja, a capacidade de fazer com que as urgências do id suplantem as restrições comportamentais do superego."
Para ""se Deus quiser, nós vamos sair daqui com a vitória", a proposição não poderia deixar de ser religiosa:
""Sim, amado entrevistador, se for da vontade do Pai Supremo, não há dúvida de que colheremos o galardão da vitória, porque se Deus é por nós, quem será contra nós. E seremos mais do que vencedores naquele que nos criou a sua imagem e nos preparou para dar testemunho de sua glória."
Eis aí minha contribuição para essa que, espero, será uma triunfante revolução no campo das entrevistas esportivas.
Eeeee é isso aí, estamos de parabéns, e foi uma crônica difícil, bastante equilibrada, mas graças a Deus saiu mais uma, e espero que continue assim, com muita garra e determinação, suando a camisa, dando nosso sangue e sempre agradando os leitores que pagam o jornal e têm direito a um texto de qualidade.

E-mail torero@uol.com.br


José Roberto Torero escreve às sextas e às terças-feiras

Texto Anterior: Futebol nacional: Dia-a-dia dos clubes
Próximo Texto: Agenda
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.