São Paulo, domingo, 25 de fevereiro de 2007

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Cabeça de campeão

A partir de 400 entrevistas com esportistas de elite, livro tenta mostrar como não perder rendimento em momentos decisivos

Para acabarem com clichês sobre psicologia esportiva, especialistas criam mapa mental para atletas, seduzem Movimento Olímpico e pregam que cabeça define disputas

GUILHERME ROSEGUINI
MARIANA LAJOLO
DA REPORTAGEM LOCAL

A probabilidade era remota. Ricardo Winicki Santos teria de completar a derradeira regata fora do grupo dos 15 primeiros. Só assim deixaria Atenas sem uma medalha olímpica.
Aconteceu. Bimba, como é conhecido o velejador, terminou a prova final da classe mistral em 17º. Ficou, assim, em quarto lugar nos Jogos-2004.
Uma derrota doída, já que o atleta não enfrentava problemas físicos. Estava inteiro, como nos dias anteriores. "Faltou sorte", alegou na época.
É o tipo de justificativa que François Ducasse e Makis Chamalidis odeiam ouvir. Para os especialistas, falhas em momentos decisivos estão ligadas à preparação mental.
"A psicologia esportiva virou um amontoado de clichês. Os competidores não entendem a importância da cabeça. Não é exagero dizer que, no alto nível, 70% das disputas são definidas pelo fator psicológico", afirma Chamalidis à Folha.
Para combater essa modorra, ele e seu colega resolveram agir. Após organizar dez anos de entrevistas com mais de 400 atletas gabaritados, eles analisaram o material e transformaram a conclusão em livro.
O quilate dos entrevistados chama a atenção -há de Roger Federer, número um do tênis, a Zinedine Zidane, astro francês.
Mas as 325 páginas de "Champion dans la Tête" (Campeão na Cabeça, em francês) trazem um componente curioso, que seduziu até o Comitê Olímpico Internacional.
"Mapa mental" é o nome dado pelos autores a uma representação gráfica que ajuda esportistas e técnicos a se libertarem dos chavões na hora de investir na preparação da cabeça.
Impressionado com a idéia, o COI adotou os resultados do estudo, desenvolveu uma exposição em seu Museu Olímpico e publicou uma revista mostrando como grandes nomes usaram a mente para triunfar.
"Psicologia esportiva virou tema "pop", mas não significa que é compreendido. Recebo no consultório atletas dizendo que querem melhorar a confiança. Mas eles nem sabem o que é isso", diz Chamalidis.
O psicólogo acredita que seu mapa ajuda na busca por um diagnóstico exato. A ilustração é dividida em três regiões: o País do Sonho, o Vale do Planejamento e a Terra da Criação.
Cada parte representa um estágio da preparação psicológica que um atleta deve seguir.
A primeira parada serve para a definição do objetivo. O esportista esclarece qual é o seu sonho e descobre que precisa renunciar a diversos prazeres.
Na segunda, é hora de esmiuçar o plano que vai usar para alcançar as metas. Esclarecer como serão as práticas, quem vai atuar como orientador.
Por fim, conhece os problemas que precisa driblar, como o medo, a cobrança e a angústia. Descobre também os mecanismos que pode usar para não fraquejar na hora de competir.
"O mapa é um instrumento didático que não significa nada sozinho. É preciso ler o livro para entender como interpretá-lo", ressalta Chamalidis.
Com base nesse mundo inexistente ilustrado no papel, o psicólogo crê ser possível arrancar detalhes preciosos dos esportistas. Para exemplificar, cita casos como o de atletas que o procuram alegando estresse.
"Todo competidor é estressado. Só que, pelo mapa, conseguimos descobrir as causas. Um pai que pressiona o filho, uma atitude errada do técnico. Cada situação exige tratamento diferente. Essa precisão pode separar campeões de gente que nunca terá força mental para se impor em decisões."
Ele tem exemplos do que chama de "preparo deficiente" na ponta da língua -e então cita casos de brasileiros. Lembra da semifinal do vôlei feminino em Atenas-2004, quando a seleção liderava o confronto com a Rússia por 2 sets a 1. No quarto set, chegou a abrir 24 a 19. Depois, sucumbiu.
"Havia um semblante curioso, algo como um medo de vencer. Na minha opinião, trata-se de um caso de falta de conhecimento. Um atleta que sabe quais são suas virtudes e seus defeitos fica mais forte. E evita surpresas desagradáveis."


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