São Paulo, quinta-feira, 25 de março de 2004

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Pega fogo a Olimpíada que quer o mundo e não pode

Thanassis Stavrakis/Associated Press
Atrizes gregas acendem a chama reserva dos Jogos


Atenas acende hoje tocha que correrá pela primeira vez cinco continentes para promover edição dos Jogos marcada por ambição e atraso de obras

DA REPORTAGEM LOCAL

Prometeu roubou o fogo dos deuses e foi punido exemplarmente por Zeus. Com o fogo, os homens ganharam sabedoria e espírito. E, com tudo isso, os gregos acharam necessário celebrar essa fantástica subtração.
Após séculos de mitologia, séculos de escuridão e pouco mais de um século de esporte, a Grécia mais uma vez sente a necessidade de celebrar. E, para tanto, fará a chama olímpica trafegar de mão em mão, a partir da manhã de hoje, pelo maior e mais ambicioso trajeto: 78 mil quilômetros, cinco continentes -enfim, o mundo.
Acossados por diversos problemas, do atraso em obras de infra-estrutura ao medo do terrorismo, os gregos começam sua segunda Olimpíada da era moderna um pouco mais confiantes. Ontem, em um ensaio da tradicional cerimônia da tocha, quase tudo deu certo, o que muitos não acreditam ser possível durante os Jogos, que serão disputados em agosto.
Até o céu, cinza e cheio de nuvens, ajudou. No exato momento em que a sacerdotisa pedia a Apolo ajuda divina, raios solares apareceram e, amplificados por um espelho côncavo, acenderam sua tocha de prata. O fogo será mantido. Não dá para confiar na meteorologia muito menos em Apolo -a previsão é "sol com nuvens", segundo Lambis Nikolaou, presidente do Comitê Olímpico grego.
A sutileza da cerimônia é grega, mas foi resgatada pelos nazistas, pouco antes da Olimpíada de Berlim, em 1936. A idéia era levar a chama pura dos deuses para a raça pura ariana. Os alemães foram a fundo no delírio: produziram instrumentos ópticos, estudaram o comportamento dos raios solares e até construíram estradas -Olímpia, à época, era um local perdido no interior da Grécia.
Virou tradição. Não apenas a corrida de revezamento, mas todo tipo de pirotecnia para chamar a atenção. A tocha andou a pé, a cavalo, de carro, avião, moto, navio. Foi levada a nado no México, em 1968, e até debaixo d'água, na Austrália, na última Olimpíada.
Tudo isso foi possível, em grande parte, porque a tocha sempre saiu da Grécia para alcançar o local dos Jogos. Como a distância entre Olímpia e Atenas é de 320 quilômetros, os gregos resolveram encompridar um pouco o caminho -quase 250 vezes.
Do berço dos Jogos da Antigüidade à capital, a tocha consumirá festivos sete dias. Lá, a pira do Panatinaikos, o estádio de mármore dos Jogos de 1896, manterá a chama até 4 de junho, quando começa o périplo mundial. Um roteiro esportivo, mas também político.
Estão no mapa da tocha todas as cidades que já receberam os chamados Jogos de verão, Pequim, sede de 2008, e cidades como Bruxelas, Lausanne, Genebra e Nova York -respectivamente, as sedes da União Européia, do COI e de boa parte do poder ocidental.
O resto do mundo estará representado por Nova Déli, Cairo, Cidade do Cabo e Rio de Janeiro, que terá sua vez em 13 de junho -a primeira, aliás, já que a tocha nunca passou pela África ou pela América do Sul. E tudo bancado por patrocinadores, que têm o direito de promover a seleção de membros do revezamento.
Cada um percorrerá de 300 a 400 metros, em corrida ou passo acelerado, e em nenhuma hipótese pode deixar a tocha cair. Se algo acontecer, um estafe estará a postos para acudir o corredor e manter a chama acesa -terá reservas.
O fogo então voltará à Grécia em 9 de julho e cumprirá um segundo turno pelo país até alcançar o estádio Olímpico, na abertura dos Jogos, em 13 de agosto.
Na cerimônia de hoje, além de políticos locais, estará presente o presidente do COI, Jacques Rogge -assim como centenas de policiais, helicópteros, detectores de metal e cães farejadores, sinal dos tempos. Depois, o grupo se reunirá para discutir o atraso nas obras.
As ambições gregas são enormes como o inédito roteiro de sua tocha. Seus problemas também.

NA TV - Cerimônia da tocha olímpica, ao vivo, a partir das 7h30, ESPN Brasil e Sportv


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