São Paulo, terça-feira, 25 de março de 2008

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Na saída da tocha, Pequim-08 já vive seu 1º dia de fúria

Manifestantes atrapalham evento na Grécia e prometem mais ações semelhantes na rota até o Estádio Olímpico

Transmissão de invasão de festividade foi censurada na China, onde já começam a acontecer protestos contra a Olimpíada, em agosto

DA REPORTAGEM LOCAL

A cada trecho do percurso, um protesto. Foi sob o eco dessa promessa que começou ontem pela manhã o revezamento da tocha olímpica. A cerimônia na qual foi acesa a chama, na Grécia, já foi marcada por confusão: manifestantes contra a repressão no Tibete foram detidos com uso de força.
Os ativistas anunciaram que já foram programados atos semelhantes em pelo menos mais duas cidades durante a passagem da tocha: Londres (Inglaterra) e Paris (França). A lista provavelmente inclui também a americana San Francisco.
Ontem, os organizadores dos Jogos, o Comitê Olímpico Internacional, bem como uma audiência internacional que acompanhava cenas oníricas no berço dos Jogos tiveram uma amostra do tipo de recepção que a tocha deve receber em vários pontos da rota.
Enquanto Liu Qi, presidente do comitê organizador da Olimpíada, que será de 8 a 24 de agosto, discursava para uma audiência local de milhares de pessoas, três representantes da ONG baseada na França Jornalistas Sem Fronteiras invadiram o local. Seguravam faixa em defesa dos direitos humanos na China. Na cor preta, trazia uma ilustração de cinco algemas interligadas no mesmo estilo dos anéis olímpicos.
Os três manifestantes haviam recebido credenciais de jornalistas para o evento. Além dos franceses, mais seis ativistas, de outras organizações, invadiram o local. ""Policiais me jogaram no chão e começaram a me chutar", lamentou um protestante, que se identificou apenas como Stanislav, um tcheco integrante do grupo Estudantes por um Tibete Livre.
A violência contrastou com encenação apresentada por modelos fantasiadas de sacerdotisas gregas, adornadas com ramos de oliveira, no evento, ironicamente, denominado ""Jornada da Harmonia".
""Nós só queríamos apontar que a China não está fazendo nada para dar basta às atrocidades no Tibete", finalizou ele.
O Tibete está sob tensão desde o último dia 10, quando monges budistas fizeram manifestação para celebrar os 49 anos de uma tentativa, fracassada, de independência da China. Seguiu-se repressão com tropas armadas do governo.
Apesar de os manifestantes logo terem sido controlados pelos seguranças, o estrago já estava feito: a imagem fora transmitida ao vivo pela TV. Mas milhões de chineses que acompanhavam a cerimônia foram privados da cena. As imagens da confusão, retransmitidas com delay pela emissora estatal, foram substituídas pelo governo por outras, pré-gravadas.
Os comentaristas da TV chinesa ignoraram o incidente.
Enquanto os franceses eram detidos ""por causar desordem em local público" -foram liberados no início da noite de ontem-, Tenzin Dorjee, porta-voz do Estudantes por um Tibete Livre, disse haver protestos programados para Londres e Paris. Sua exigência é que o Tibete seja retirado do trajeto da tocha. ""Se [a rota] for mantida, será um insulto a um povo que já vem sofrendo há 50 anos no Tibete", argumentou.
O presidente do COI, Jacques Rogge, informou que a rota não está completamente fechada. ""Dependendo do que ocorrer, ela pode não passar pelo Everest", disse o dirigente.
Logo nos metros iniciais de seu percurso, já houve obstáculos. Uma manifestante tibetana se pintou de vermelho e deitou-se no caminho de um atleta que conduzia a tocha. Ao redor ouvia-se gritos de ""Liberdade para o Tibete" e também ""A China deveria se envergonhar".
Ontem, a entidade de direitos humanos Human Rights Watch exigiu que a tocha não passe pelo Tibete. ""Ou o Tibete está aberto ou não está. Se está, deve ser permitida a entrada de observadores internacionais e da imprensa. Se não, a tocha tampouco deve ser recebida", disse a diretora para a Ásia da HRW, Sophie Richardson.
Se a pressão de fora para dentro já é considerável, a movimentação externa começa a contaminar a própria China.
Pressionado no exterior, o país tem intensificado "limpeza" em seu território a quase quatro meses da Olimpíada.
Yang Chunlin, um dissidente da cidade de Jiamusi, no nordeste do país, foi condenado a cinco anos de prisão por subversão. O julgamento ocorreu em fevereiro, mas o caso só veio à tona ontem, revelado por sua família e seu advogado.
O crime de Yang, segundo a Justiça chinesa, foi ter dito que os direitos humanos deveriam ser mais importantes do que os Jogos Olímpicos de Pequim.
Em 2007, o operário desempregado ajudou moradores de uma vila próxima à sua cidade a formalizarem documento sobre disputa de terras. Na ocasião, Yang teria dito: "Não queremos a Olimpíada, queremos direitos humanos".
Segundo Yang Chunping, irmã do dissidente, ele fez críticas ao Parlamento e ao Partido Comunista na internet.
Os responsáveis pela acusação contra Yang disseram que seus artigos mancharam a imagem internacional da China e contribuíram para a subversão.
A condenação não segue discurso do ministro de Assuntos Exteriores da China, Yang Joechi, que dissera que ninguém seria preso por atos como o de Yang Chunlin.


Com agências internacionais

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