São Paulo, segunda-feira, 25 de abril de 2005

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BARRADOS NO BAILE

Juiz festeja falta de insultos no jogo em que flanelinha e ambulante desapareceram e os fãs viram pelo buraco do portão

Sem torcida, atletas ouvem narração ao vivo

KLEBER TOMAZ
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Pela primeira vez em 12 anos, desde que o filho Clever, 39, tornou-se juiz de futebol, dona Maria Gonçalves, 65, não ficou com a orelha vermelha.
Sem torcida nas arquibancadas do estádio Anacleto Campanella (que tem capacidade para 22.738 pessoas), a mãe do juiz mineiro de Santos x Paysandu foi poupada do repertório de impropérios, xingamentos e palavrões dirigidos à progenitora daqueles que escolheram o apito para trabalhar.
"Isso nunca aconteceu na minha carreira: nenhum torcedor para me xingar de filho-da-p... Nem os jogadores ou técnicos se atreveram a me xingar. Primeiro, porque sem torcida dá para escutar tudo o que se fala dentro de campo. Segundo, porque fiz uma boa arbitragem", comenta o juiz mineiro.
Ele entrou para a história do futebol brasileiro ao apitar um dos dois jogos da elite do Nacional que não tiveram torcedores. O outro foi o do Fortaleza. Algo, até então, inédito.
O mando de ontem foi do Santos, mas o duelo foi realizado em São Caetano do Sul e com os portões do estádio fechados porque o time cumpriu suspensão referente ao jogo com o Corinthians, pelo Nacional de 2004, na Vila Belmiro, quando objetos foram atirados para o campo por torcedores.
Apesar da punição imposta pelo STJD (Superior Tribunal de Justiça Desportiva) da CBF, Cosmo Damião, 50, um dos fundadores da Torcida Jovem do Santos, burlou a segurança e entrou no Anacleto antes do duelo. Estendeu uma faixa da torcida no alambrado, atrás de um dos gols, mas logo depois os fiscais mandaram retirá-la.
"Isso é um absurdo. Proíbem a torcida de entrar e nem nos deixam colocar uma faixa?", reclamava Damião, que afirma ter conseguido penetrar no estádio com a conivência do Santos. O clube nega.
Mas um outro torcedor santista conseguiu entrar. O delegado Osvaldo Nico Gonçalvez, coordenador do Garra (Grupo Armado de Repressão a Roubos e Assaltos), que prendeu o zagueiro argentino Desábato, do Quilmes, havia sido "barrado no baile", mas ligou para o presidente Marcelo Teixeira, do Santos, e entrou.
"Eu também sou auditor da FPF, mas os fiscais não me reconheceram", justificou Nico.
Enquanto isso, Teixeira já contabilizava o prejuízo pela falta da torcida e renda. "Tivemos uma despesa de R$ 30 mil", reclamou o cartola.
O presidente só não atendeu ao pedido de dez torcedores santistas que olhavam o jogo pelo buraco do portão e esticavam o pescoço sobre os muros, entoando o hino da equipe.
Fora isso, o clima pré-jogo não existiu: flanelinhas, ambulantes e vendedores de camisas desapareceram. Nem os poucos torcedores se aguentaram. Uns foram embora e os outros insistiam em subir nos muros e xingar em vão o bandeira.
Nada. Silêncio. Paysandu e Santos entram em campo como se estivessem num hospital.
Quando Deivid marcou. Ficou parado, olhou para a arquibancada vazia e caminhou em direção aos fotógrafos e ao banco de reservas. Na hora do gol de pênalti de Robinho, os atletas escutaram narradores das cabines de rádio e TV gritarem o nome do craque. Eco.
"Eu até pensei em subir no alambrado para comemorar, mas, depois, me toquei que não havia torcida", disse Robinho, que "roubou" a atenção dos 20 PMs que faziam a segurança do jogo. Sem torcida, eles só prestaram atenção aos dribles do atleta e ao baile do Santos.


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