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Ronaldo reclama diálogo e direito de dizer não à CBF
Em entrevista exclusiva, atacante afirma que convocação para Copa das Confederações vai deixá-lo "muito prejudicado" por acabar com férias e critica a Fifa por não ouvir os atletas
SÉRGIO RANGEL
ENVIADO ESPECIAL A MADRI
Entrou areia nas férias de Ronaldo, que planejava trocar a seleção por praias da França e Espanha em junho e julho, durante o
recesso do futebol europeu.
O jogador do Real Madrid está
descontente com a sua convocação para a disputa da Copa das
Confederações, que começará no
dia 15 de junho, na Alemanha.
Ronaldo afirmou que será
"muito prejudicado" e prevê passar dois anos sem descanso.
"Sinceramente não sei os motivos e o critério. Não falaram nada
comigo. Achei até estranho", disse Ronaldo à Folha, em conversa
ontem no campo de treinamento
da federação espanhola em Las
Rozas, arredores de Madri.
Um dia antes, o supervisor da
seleção, Américo Faria, ameaçou
quem não quiser jogar o torneio
alemão. "Quem ficar de fora da
Copa das Confederações estará
mais distante da Copa de 2006."
"No melhor estilo largado", como definiu, Ronaldo contrastava
ontem nos corredores no centro
de treinamento com os demais
galácticos à sua volta. Ele estava
de sandálias Havaianas brancas e
agasalho da Nike, sua patrocinadora. O inglês David Beckham
passava ao seu lado de calça jeans
da Calvin Klein, com um pedaço
da cueca à mostra, camisa amarela e óculos de sol de lentes violeta.
"É assim que gosto de me vestir", disse o atacante, no trajeto de
cerca de cinco minutos, sob um
sol forte, do vestiário até a sala de
recreação do CT.
Ronaldo condenou o racismo e
disse que não consegue entendê-lo. "Eu, que sou branco, sofro
com tamanha ignorância. A solução é educar as pessoas." Conta
que o preconceito com ele "é outro, bem menos grave". "As pessoas me chamam de gordinho."
Ronaldo, 28 anos e ganhos
anuais de R$ 62,8 milhões, está
solteiro. O conturbado fim do casamento, de menos de três meses,
com Daniella Cicarelli não o faz
concordar que a ex-mulher foi a
vilã da história. "Tem muita gente
falando besteira por aí. É o nosso
país...", reclama.
Folha - O que achou do Cafu e do
Roberto Carlos terem ficado de fora da Copa das Confederações e você ter sido convocado?
Ronaldo - Sinceramente não sei
os motivos e o critério. Não falaram nada comigo. Achei até estranho. Sempre houve uma conversa
antes. Nos próximos dias, vou entrar em contato com a CBF, porque vou enfrentar um problema
muito grande. Vou ficar quase
sem férias.
Folha - Pretende jogar a Copa das
Confederações?
Ronaldo - Ainda não tenho posição. Quero falar com a CBF antes
de tomar qualquer decisão.
Folha - Acha que será prejudicado
por jogar o torneio?
Ronaldo - Acho que ficaria muito prejudicado. O próximo ano
será de Copa do Mundo. Sendo
assim, vou ficar dois anos sem férias. Infelizmente, os jogadores
são os últimos a dar opinião. Se tivéssemos um calendário único,
não teríamos problema. A Fifa deveria escutar mais os jogadores.
Afinal, somos nós
que jogamos. Não
há dirigente que
jogue bola.
Folha - A Copa
das Confederações
é importante?
Ronaldo - Estar
com a seleção
sempre é importante, mas a Copa
das Confederações não tem o
mesmo valor da
Copa do Mundo
nem a mesma repercussão. Infelizmente, é igual à
Copa América. Já ganhamos muitas nos últimos anos e daí? Ninguém fala, ninguém comenta,
mas, se perder, é aquela confusão.
Para não sobrecarregar o calendário dos jogadores, os torneios de
menor importância teriam que
ser eliminados.
Folha - O que acha da candidatura brasileira para o
Mundial de 2014?
O país tem chance?
Ronaldo - Acho
possível, mas não
é só querer. O
problema é muito
maior do que se
pode esperar. É
uma restruturação do país, dos
estádios, dos hotéis.
Folha - O Brasil
está pronto para
encarar isso?
Ronaldo - Não, mas pode ficar.
Financeiramente, vai contar com
a ajuda da Fifa. Se não for bem organizado, o Pan-Americano de
2007 pode prejudicar.
Folha - O que espera do jogo contra a Argentina pelas eliminatórias
da Copa?
Ronaldo - Será um clima meio
quente, mas é normal. Brasil e Argentina sempre
têm rivalidade.
Folha - Se eles começarem a chamar
os brasileiros de
"macaquitos"? Pode haver reação?
Ronaldo - Não.
Nenhuma. Dentro
de campo, acontece até coisas piores. Não se pode
levar as coisas a
sério. Existe sempre a provocação
e a catimba. No jogo, acontece de tudo. Temos de
ser mais espertos. Eles nunca me
chamaram de "macaquito".
Folha - O que achou do caso Grafite e Desábato?
Ronaldo - Está acontecendo a
mesma coisa aqui na Europa em
relação ao racismo. Acho uma ignorância enorme. São pessoas
sem educação e sem cultura.
Folha - Consegue
entender essa onda de racismo no
futebol?
Ronaldo - Não
consigo. Mas
também não acho
que no futebol
aquelas atitudes
são somente racismo. Às vezes,
os torcedores pegam no pé para
implicar com os
jogadores. Acreditam que aquele
atleta pode perder o controle.
Folha - O Samuel Eto'o [artilheiro
do Barcelona] é um dos que mais
sofrem...
Ronaldo - Acho que todos os negros sofrem. Eu, que sou branco,
sofro com tamanha ignorância. A
solução é educar as pessoas.
Folha - Já passou por isso?
Ronaldo - Não diretamente, mas
me ofende quando ocorre com
um amigo meu. Comigo o preconceito é outro. Aliás, é bem menos grave. As pessoas me chamam aqui de gordinho. Mas não
me incomoda.
Folha - Seu peso é um dos tabus
do futebol. Qual é o seu peso ideal?
Quanto pesa hoje e quanto já chegou a pesar?
Ronaldo - Isso nunca foi mistério. É um exagero enorme. Atualmente, peso 87 quilos. Estou superbem com ele. O problema é
que na televisão as pessoas engordam. Quando me olham pessoalmente, as pessoas ficam surpresas. Estou bem e fazendo gols. No
Real Madrid, há controle de peso.
Folha - Há menos de um mês, você se encontrou com o Maradona.
Como foi?
Ronaldo - Maravilhoso. Ele pediu para me encontrar e foi tudo
bem. Ele é um grande ídolo mundial. Um cara que vi jogar muito.
Fiquei feliz de encontrá-lo e ver
que está se recuperando. Ele me
contou muitas histórias do futebol. Rimos muito da água que eles
[argentinos] deram para o Branco. [No Mundial de 90, os argentinos teriam oferecido uma água
com tranqüilizante para os jogadores brasileiros]. Foi superdivertido. Quem fez foi o treinador
[Carlos Bilardo], que só avisou
para o Maradona e para o Ruggeri. Ele disse que os brasileiros estavam acabando com o jogo. Numa
hora da partida, ele se jogou ao
chão para acalmar os brasileiros e
pediu água. O Branco foi correndo lá e também pediu. Ele tomou
da garrafa batizada e não jogou
mais nada, segundo o Maradona.
A bola batia na canela dele e saía
[risos]. Na saída do estádio, o Maradona lembrou que o Branco ficou no ônibus só fazendo sinal
para ele [risos].
Folha - Em que posição coloca o
Maradona?
Ronaldo - Coloco o Maradona e
o Zico como os maiores que vi
dentro das quatro linhas. Como
sou flamenguista doente, o Zico é
o melhor de todos. Disse isso ao
Maradona e ele entendeu.
Folha - Você está em que lugar
nesse ranking?
Ronaldo - Não tenho essa pretensão. Não me coloco em nenhum lugar.
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