São Paulo, terça-feira, 25 de dezembro de 2007

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Futebol vira bandeira de paz dos EUA no Iraque

Americanos usam esporte para pacificar convivência com iraquianos em Bagdá

Após disputar pelada, militar decide capitanear campanha de arrecadação de bolas para diminuir a desconfiança da população


Arquivo Pessoal
O tenente-coronel Justin Porto, que agora vê sorrisos nos rostos dos iraquianos por estar incentivando o futebol, posa para foto


FABIO GRIJÓ
MARIANA BASTOS
DA REPORTAGEM LOCAL

Nos próximos dias, bolas de futebol irão chegar à Zona Internacional, região controlada pelas forças de coalizão em Bagdá, a capital do Iraque.
Elas servirão para amenizar a desconfiança em relação à presença estrangeira no país. Amantes de beisebol, futebol americano e basquete, os americanos descobriram que o passaporte da boa convivência entre soldados e oficiais dos EUA e a população local é o esporte praticado com os pés.
"Na Zona Internacional, via soldados, guardas, crianças, jogando futebol nas ruas, nas calçadas. Só que eram bolas velhas, murchas. Pensei em como fazer chegar bolas boas até eles", contou à Folha Justin Porto, tenente-coronel reformado que está há seis meses no Iraque trabalhando na área de tecnologia de informação.
Ainda resta outro meio ano da missão pela qual assinou contrato, mas Porto afirma ver "milagres" operados pela bola.
"Um dia, estava driblando até que passei a bola para um menino. Na hora, a atitude dele mudou. O rosto mudou. Passou a me ver como amigo", disse ele, por telefone, de Bagdá.
O acaso fez surgir uma campanha para arrecadar bolas para os iraquianos. E, assim, melhorar a convivência.
"Até agora, já conseguimos 14 bolas no período de uma semana. Nas próximas semanas, espero centenas", falou Porto.
"Meu irmão é diretor de uma escola em Nova Jersey e organizou uma campanha para que os alunos doassem bolas. Elas ainda vão chegar."
A iniciativa de Porto não é inédita. Desde 2004, alguns grupos isolados do Exército norte-americano arrecadam bolas de futebol nos EUA para enviar a crianças iraquianas. Entre os projetos mais conhecidos adotados com sucesso estão "Operation Soccer Ball" (Operação Bola de Futebol) e "Operation KickStart" (Operação Chute Inicial).
O tenente-coronel reformado diz ter apoio oficial. "O Exército me autorizou a enviar e-mails a amigos e familiares para pedir bolas. E me ajudou no transporte das bolas."
A opção pelo futebol, popular nos EUA entre as mulheres, ocorreu pela preferência dos iraquianos, que conquistaram a Copa da Ásia, em julho, pela primeira vez (dirigidos pelo brasileiro Jorvan Vieira).
Porto lembra as cenas da comemoração. Ele diz ter visto pessoas indo para as ruas e, em vez de fogos de artifício, com armas em punho, atiravam a esmo. "Foi muito perigoso. Guardei até uma cápsula."
A insegurança no país fez com que a Confederação Asiática de Futebol proibisse a seleção do Iraque de atuar em casa nos jogos eliminatórios para a Copa-2010, na África do Sul.
"O iraquiano adora o futebol. É comum ver aqui meninos com camisas de times europeus ou mesmo de jogadores brasileiros", afirmou Porto.
O americano relatou a transformação provocada pelos dribles e gols desde que passou a distribuir bolas de futebol.
"Quando cheguei ao Iraque, eles [os iraquianos] não confiavam muito nos americanos. Faço parte da força de coalizão. Eles não confiavam até por influência dos insurgentes, que eram contrários à presença dos EUA aqui", declarou ele.
"Mas fomos ganhando os corações dos iraquianos aos poucos. Eles demoram a perceber que você é uma pessoa boa. Até a hora que eles o vêem como um deles, como um ser humano como eles, o vêem fazendo as mesmas coisas que eles."
A mudança, disse, refletiu-se até no dia-a-dia.
"Todo dia, faço ronda de uma hora pelas ruas. Hoje, já me cumprimentam, acenam para mim, sorriem quando eu passo. É minha recompensa."


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