|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
JOSÉ GERALDO COUTO
O jogo dos sete erros
O Maracanã viu festival de erros na quarta, mas a torcida escolheu seu bode expiatório, a única mulher em campo
A BEM DA VERDADE , não sei se
foram sete, mas não resisti à
tentação de usar esse número
cabalístico no título da coluna. O fato é que erros em profusão resultaram no placar de Botafogo 3 x 1
Figueirense na noite de quarta-feira, no Maracanã.
Há erros e erros. Tudo depende do
contexto, das motivações e, principalmente, das conseqüências. Fiquemos com um exemplo: se o gol
contra do zagueiro Vinícius, do Figueirense, tivesse ocorrido alguns
minutos antes, quando o jogo ainda
estava 2 a 0 para o Botafogo, seria ele
o personagem da noite, o responsável por choro de uns e alegria de outros. Sua falha teria sido trágica e estaria lhe causando insônia até hoje.
Mas quis o destino que esse deslize fosse antecedido por outro: o
frango do jovem e bom goleiro do
Botafogo Júlio César. Assim, hoje
ninguém se lembra do gol contra de
Vinícius, que virou um acidente banal. E o frango de Júlio César ganhou a aura dos traumas inesquecíveis, como o gol de Gigghia sofrido
por Barbosa no Maracanã em 1950.
Mas o próprio Júlio César, apesar
da dimensão dramática da sua falha,
foi perdoado pela torcida botafoguense graças a outro capricho da
cronologia: seu erro foi antecedido
por dois equívocos da bandeirinha
Ana Paula Oliveira (o primeiro incontestável, o segundo discutível),
que anulou dois gols do time da casa
quando o placar ainda estava 0 a 0.
Aqui cabe uma digressão sobre o
quanto o futebol expressa simbolicamente o que somos, como indivíduos e como povo. O gol sofrido por
Barbosa não resultou de uma falha
grotesca nem pode ser definido tecnicamente como um "frango". No
entanto, ele foi crucificado sem direito a recurso. No final da vida, já
velhinho, dizia que era o único condenado a cumprir pena de mais de
30 anos no Brasil.
Por que essa diferença tão grande
de atitude diante do pequeno erro
de Barbosa e do gigantesco erro de
Júlio César? Tenho uma hipótese.
Em caso de derrota, a massa busca
sempre um culpado, um bode expiatório, projetando nele seus ressentimentos mais profundos.
Barbosa, como todos sabem, era
negro. O desastre diante do Uruguai
fez vir à tona o racismo profundo de
boa parte da nossa sociedade. Até
hoje há quem diga que "goleiro negro não é confiável". A então CBD
(antecessora da CBF) chegou a tentar excluir os negros do time titular
que disputou a Copa de 58 na Suécia.
Não deu, claro. Como deixar no banco gênios como Pelé e Didi?
O branco Júlio César teve mais
sorte. Antes do frango, a torcida já
havia escolhido o vilão da noite, o
Judas a ser malhado: a bandeirinha
Ana Paula. Após seu primeiro erro, a
arquibancada gritava em uníssono:
"Piranha, Piranha!". Nesse caso, o
que emergiu foi o preconceito contra a mulher, bem expresso no comentário infeliz do vice-presidente
de futebol do Botafogo, Carlos Augusto Montenegro, de que ela "devia
estar naqueles dias de mulher".
É curioso: diante de um erro equivalente cometido por um bandeirinha ou árbitro homem, o que se grita
é: "Filho da puta, Filho da puta!".
Quer dizer, a culpa é sempre da mulher, esse estranho ser que perturba
e desestabiliza os machos quando
invade um de seus últimos redutos,
o estádio de futebol.
jgcouto@uol.com.br
Texto Anterior: Tênis: Brasil terá 1 jogador em Roland Garros Próximo Texto: O Datafolha no Brasileiro: Vasco, 100%, incorpora futebol "feio" do técnico Índice
|