São Paulo, Sábado, 26 de Junho de 1999
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

A TV manda, o futebol obedece

JOSÉ GERALDO COUTO
da Equipe de Articulistas

O "caso Edílson", que atravessou a semana dividindo opiniões na mídia e nas ruas, deixou como saldo alguns temas para discussão.
Um deles é a estranha ética do futebolista profissional, que considera intolerável a provocação ao adversário "na bola" e perdoa botinadas e cotoveladas que colocam em risco a carreira de um companheiro.
Outro assunto colocado em evidência pelo caso é o poder que a TV exerce sobre o mundo do futebol. O corte de Edílson foi, evidentemente, um lance de efeito para a televisão.
A simbiose entre o esporte e a TV vem de longe, mas atingiu nos últimos tempos um grau assustador. O futebol profissional é hoje, em grande parte, um evento produzido para a televisão e moldado por ela.
Basta lembrar que, por conveniência da grade de programação da Rede Globo (cujas novelas são intocáveis), foram alterados os horários dos jogos noturnos do meio da semana -e às vezes também os dos fim-de-semana.
Uma partida começar às 21h40 numa quarta-feira pode não ser conveniente para os jogadores nem para os torcedores, mas é ótimo para a TV.
Outro exemplo de que a TV comanda hoje o espetáculo futebolístico é a nova onda de festejar os gols: em vez de abraçar companheiros ou correr para a torcida, os jogadores procuram a câmera mais próxima para fazer coreografias, vestir máscaras, exibir mensagens escritas em camisetas e faixas.
Ao tirar suas quinquilharias de dentro do calção para mostrar ao espectador, lembram aqueles camelôs televisivos dos "Shop Tours" da vida.
E a torcida também faz a sua parte. Depois que a Globo -imitando o velho "Canal 100"- começou a captar imagens de torcedores pitorescos na arquibancada, muitos começaram a ir ao estádio vestidos de maneira bizarra, com a cara pintada, segurando cartazes com mensagens para locutores e emissoras -implorando por cinco segundos de fama.
O auge da demonstração do poder monopolista da Globo tem acontecido nos jogos noturnos transmitidos pela emissora do Parque Antarctica.
Enquanto a câmera focaliza um prédio vizinho ao estádio, o locutor literalmente manda os moradores apagarem e acenderem a luz. É impressionante. O prédio fica parecendo uma árvore de Natal, o que prova duas coisas: 1) que quase todos os moradores estavam sintonizados na emissora; 2) que aceitam alegremente seu papel de teleguiados.
Essa exibição de poder sempre me lembra uma cena poderosa e terrível do filme "Rede de Intrigas", de Sidney Lumet.
O apresentador de um programa de auditório campeão de audiência -uma espécie de Ratinho alfabetizado- conclama seus telespectadores a ir até a janela e gritar, extravasando seu descontentamento com a vida. A cena seguinte é a de centenas de cidadãos gritando das janelas de seus prédios.
A diferença é que os espectadores comandados pelo locutor da Globo não querem expressar nenhum protesto, mas apenas participar, nem que seja como uma anônima luz piscante, do grande circo da televisão. Quanto ao futebol, ora, quem quer saber?


José Geraldo Couto escreve aos sábados e segundas
E-mail jgcouto@uol.com.br


Texto Anterior: Rivais terão "melhor do mundo'
Próximo Texto: Stop & Go - José Henrique Mariante: Até que enfim
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.