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A TV manda, o futebol obedece
JOSÉ GERALDO COUTO
da Equipe de Articulistas
O "caso Edílson", que atravessou a semana dividindo opiniões na mídia e nas ruas, deixou como saldo alguns temas
para discussão.
Um deles é a estranha ética do
futebolista profissional, que
considera intolerável a provocação ao adversário "na bola"
e perdoa botinadas e cotoveladas que colocam em risco a carreira de um companheiro.
Outro assunto colocado em
evidência pelo caso é o poder
que a TV exerce sobre o mundo
do futebol. O corte de Edílson
foi, evidentemente, um lance
de efeito para a televisão.
A simbiose entre o esporte e a
TV vem de longe, mas atingiu
nos últimos tempos um grau
assustador. O futebol profissional é hoje, em grande parte, um
evento produzido para a televisão e moldado por ela.
Basta lembrar que, por conveniência da grade de programação da Rede Globo (cujas
novelas são intocáveis), foram
alterados os horários dos jogos
noturnos do meio da semana
-e às vezes também os dos
fim-de-semana.
Uma partida começar às
21h40 numa quarta-feira pode
não ser conveniente para os jogadores nem para os torcedores, mas é ótimo para a TV.
Outro exemplo de que a TV
comanda hoje o espetáculo futebolístico é a nova onda de festejar os gols: em vez de abraçar
companheiros ou correr para a
torcida, os jogadores procuram
a câmera mais próxima para
fazer coreografias, vestir máscaras, exibir mensagens escritas em camisetas e faixas.
Ao tirar suas quinquilharias
de dentro do calção para mostrar ao espectador, lembram
aqueles camelôs televisivos dos
"Shop Tours" da vida.
E a torcida também faz a sua
parte. Depois que a Globo
-imitando o velho "Canal
100"- começou a captar imagens de torcedores pitorescos
na arquibancada, muitos começaram a ir ao estádio vestidos de maneira bizarra, com a
cara pintada, segurando cartazes com mensagens para locutores e emissoras -implorando por cinco segundos de fama.
O auge da demonstração do
poder monopolista da Globo
tem acontecido nos jogos noturnos transmitidos pela emissora do Parque Antarctica.
Enquanto a câmera focaliza
um prédio vizinho ao estádio, o
locutor literalmente manda os
moradores apagarem e acenderem a luz. É impressionante. O
prédio fica parecendo uma árvore de Natal, o que prova duas
coisas: 1) que quase todos os
moradores estavam sintonizados na emissora; 2) que aceitam alegremente seu papel de
teleguiados.
Essa exibição de poder sempre me lembra uma cena poderosa e terrível do filme "Rede
de Intrigas", de Sidney Lumet.
O apresentador de um programa de auditório campeão
de audiência -uma espécie de
Ratinho alfabetizado- conclama seus telespectadores a ir
até a janela e gritar, extravasando seu descontentamento
com a vida. A cena seguinte é a
de centenas de cidadãos gritando das janelas de seus prédios.
A diferença é que os espectadores comandados pelo locutor
da Globo não querem expressar
nenhum protesto, mas apenas
participar, nem que seja como
uma anônima luz piscante, do
grande circo da televisão.
Quanto ao futebol, ora, quem
quer saber?
José Geraldo Couto escreve aos sábados e segundas
E-mail jgcouto@uol.com.br
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