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FUTEBOL
Um gauche na vida
JOSÉ ROBERTO TORERO
COLUNISTA DA FOLHA
Como acontece em todas as
últimas sextas-feiras do mês,
fui consultar o supremo hierofante Zé Cabala. Dessa vez, porém,
pedi que nos encontrássemos no
Morumbi. Com duas horas de
atraso, o grande mestre do ocultismo chegou em seu Fusca 66.
Gulliver estava ao volante.
- Por que você marcou o encontro nesse fim de mundo?, ele
perguntou esbravejando.
- Chamei o senhor aqui porque queria aprender a respeito do
maior ponta-esquerda da história do São Paulo.
- Hum..., resmungou Zé Cabala. Tudo bem, mas antes você vai
me pagar uma tapioca.
Não me fiz de rogado e comprei
duas tapiocas de leite condensado
-uma para o mestre e outra para Gulliver. Depois de mastigar
com calma e repetir o prato, Zé
Cabala começou a dançar uma
espécie de bumba-meu-boi:
- Muito prazer e desculpe a
demora.
- O senhor é...
- É não, era, que eu morri em
1974, com 42 anos. Meu nome foi
José Ribamar de Oliveira, seu
criado.
- Se o seu nome era Ribamar,
deve ter nascido no Maranhão.
- Exatamente. Sou de Coroatá. Quando nasci, em 1932 ou
1933, um anjo torto, desses que vivem nas trevas, disse: "Vai José
Ribamar, ser gauche na vida". E
eu fui ser gauche. Tanto que meu
apelido era Canhoteiro.
- Era com o senhor que eu
queria falar. Gostaria que me
contasse sua história no futebol.
- É uma história com dois
amores: o América, do Ceará, que
me revelou, e o São Paulo, onde
vivi os melhores anos da minha
vida. Fiz 415 jogos pelo Tricolor.
- A sua especialidade era fazer
gols, não é?
- Não, não, meu filho. A minha fama veio mais por causa dos
dribles e do jeito como eu conseguia me livrar dos marcadores
em espaços pequenos. Eu me divertia tirando eles para dançar:
um pra lá, dois pra cá. Marquei,
mesmo assim, mais de cem gols.
- Apesar disso, o senhor nunca
disputou uma Copa do Mundo...
- É verdade. Tive o azar de
nascer na mesma geração de Zagallo e Pepe. Os técnicos da seleção reconheciam o meu talento,
mas preferiram misturar, em
1958 e 1962, a eficiência tática do
Zagallo e o perigo de gol que era o
canhão do Pepe. Eu acho uma injustiça, mas fazer o quê? Para piorar, no meu tempo, o São Paulo
estava construindo o Morumbi e
nunca formava grandes elencos,
tanto que títulos mesmo eu só ganhei um: o Paulista de 1957. São
coisas da vida. Até hoje imagino
como seria o ataque com Garrincha na direita e eu na esquerda.
- Dizem que seu medo de
avião atrapalhou um pouco.
- Meu filho, nem agora que eu
tenho asas eu gosto de voar, imagine naquele tempo! Daí que eu
perdia uns jogos... Na verdade,
meu meio de transporte favorito
era caminhão. Acho que é porque
meu primeiro trabalho foi ser motorista de caminhão lá no norte.
- Ser reverenciado até hoje pelos são-paulinos o envaidece?
- Claro. Mesmo as pessoas que
só viram Paraná e Zé Sérgio falam de mim com admiração. E no
meu tempo tive até fã-clube! Tudo isso me deixa muito feliz aqui
deste lado do mistério.
Logo depois, Zé Cabala voltou
ao normal e pediu que eu lhe pagasse outra tapioca. A entrevista
tinha acabado. Foi curta, mas
serviu para que eu aprendesse alguma coisa mais a respeito de um
dos craques que fazem o mortal
futebol parecer um jogo celeste.
Bósnia
Para alegria dos torcedores, a
seleção brasileira é pentacampeã e voltou ao topo do
ranking mundial. Por outro
lado, o povo brasileiro não
tem tantos motivos para festejar. Segundo o mais recente
relatório sobre o Desenvolvimento Humano da ONU,
ocupamos uma esforçada 73ª
colocação, perdendo longe
dos primos Argentina, Uruguai e Chile, todos entre a 34ª
e a 40ª posição. Em termos
esportivos, é como se a sociedade brasileira estivesse jogando um futebol semelhante ao da seleção da Bósnia-Herzegóvina, a 73ª do ranking da Fifa. Nada animador.
Quase lá
E o São Caetano está bem
perto de entrar no seleto clube de times brasileiros que já
foram campeões da Libertadores. Um clube em que só
um gaúcho, um mineiro, dois
cariocas e três paulistas têm a
carteirinha de sócio.
E-mail torero@uol.com.br
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