São Paulo, Domingo, 26 de Setembro de 1999
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FUTEBOL
Ex-jogadores Sócrates, Leandro e Renato assumem Cabofriense querendo ajudar a formar "cidadãos"

Polêmicos criam "democracia carioca"

SÉRGIO RANGEL
enviado especial a Cabo Frio

Sócrates, Leandro e Renato Gaúcho, três dos melhores e mais polêmicos jogadores brasileiros nas últimas décadas, fundaram a ""democracia de Cabo Frio".
No último dia 17, os três assumiram o departamento de futebol da Cabofriense, time da Região dos Lagos, um dos principais pontos turísticos do Estado do Rio de Janeiro no verão.
O modelo de administração implantado por Sócrates, que treinará o time, será uma versão anos 90 da ""democracia corintiana".
""Além de colocar a minha experiência no futebol em prática, quero fazer uma revolução de costumes, cultural, nesse trabalho", afirmou Sócrates, um dos líderes, nos anos 80, da ""democracia corintiana" -movimento em que os jogadores do clube, com o aval da diretoria, participavam das decisões relativas ao time.
""Naquela época, discutíamos a democracia no ambiente autoritário do futebol durante a fase de abertura do país. Agora, quero ajudar a formar cidadãos", disse o ex-jogador, que teve só duas curtas experiências como treinador -Botafogo-SP e Liga Deportiva Universitaria, de Quito, Equador.
No projeto, Leandro trabalhará como diretor técnico. Renato Gaúcho, por sua vez, será o ""olheiro" do time, responsável pela indicação dos atletas.
""Quero criar nos jogadores uma maior participação política. Eles vão ter que entender o mundo em que vivem", acrescentou Sócrates, enquanto tomava uma cerveja na praia do Peró, em que passa seus dias de folga.
Na semana passada, um dos primeiros atos de Sócrates no clube foi colocar um mural no vestiário para os jogadores colocarem recortes de jornais sobre assuntos de seus interesses.
""A idéia é começar a discutir questões como doenças sexualmente transmissíveis e, se possível, falar até de filosofia. Vou querer jogadores articulados", disse.
As mudanças dentro do clube já começaram. Na estréia de Sócrates na equipe, os jogadores não ficaram concentrados -um dos tabus do futebol brasileiro.
Na quarta-feira, a Cabofriense enfrentou o Friburguense, pela Copa Rio, no modesto estádio de Cabo Frio. Com apenas dois treinos sob o comando de Sócrates e sem cinco titulares, o time empatou em 0 a 0.
""Por mim, não terá nunca (concentração), mas a discussão sobre o assunto sempre existirá", afirmou o treinador.
De acordo com o estilo de Sócrates, ""cada jogador e integrante da comissão técnica terá um voto, e a maioria simples vencerá".
""Se nos próximos jogos eles pedirem para se concentrar, vou atendê-los", disse o ex-ídolo da torcida corintiana.
Sócrates também não terá restrições em relação ao consumo de álcool, cigarro ou ao sexo antes dos jogos pelos atletas -outros tabus do futebol.
""Quero que os jogadores aprendam a viver com responsabilidade. Se eles me chamarem para beber, vou junto. Agora, vão ter que correr no campo. Se não conseguirem, estão fora. Sou técnico, e não o pai de ninguém", afirmou o ex-jogador da seleção.
""Com essa filosofia, fomos bicampeões paulistas (82 e 83), o que mostra que o estilo dá certo", justifica o técnico da Cabofriense.
""Na época, chegávamos a escolher os treinadores, os horários de treinamento e até atrasamos uma viagem do time para votar na eleição do clube."
Leandro, ex-lateral-direito do Flamengo e da seleção brasileira na Copa de 1982, aprovou as idéias de Sócrates.
""Sou completamente favorável a todas as idéias do Magrão. Inclusive, estamos tentando viabilizar um horário para os jogadores voltarem a estudar", disse Leandro, o coordenador do projeto.
""Sabemos que nem todos vão se destacar e ganhar dinheiro, mas vamos tentar dar uma condição de vida melhor a eles", acrescentou o ex-lateral.
Com o clube sem poder fazer altos investimentos, Sócrates não se limitará a ser apenas o treinador. ""Quero também colocar em prática a minha experiência em medicina esportiva, fisiologia, nutrição, psicologia", contou.
""Atualmente, faço a nutrição e cuido da parte fisiológica dos jogadores", disse o treinador, que também prepara um livro sobre a sua vida.
Feliz com a vida perto da praia, Sócrates prefere não fazer planos a longo prazo sobre sua permanência em Cabo Frio.
""A intenção é continuar aqui até o final do Estadual, mas nada impede de continuar por mais 20 anos", disse.
""Sou um cara simples, que gosta de coisas também feitas com simplicidade", acrescentou Sócrates, que comemorou o empate contra o Friburguense em um bar popular no centro da cidade, assistindo e cantando em um show.


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