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O mundo em duas pernas
RODOLFO LUCENA
Editor de Informática
Ele faz duas maratonas por dia
-às vezes mais, às vezes menos.
Já percorreu 23 países, mais de 30
mil quilômetros, ao longo de quase três anos. Seu objetivo: ser o
primeiro homem a fazer a volta
ao mundo correndo. É O-Homem-Que-Corre, um inglês de 32
anos que trocou um curso de psicologia, em Londres, pela estrada.
Robert Garside, o autodenominado The Runningman, começou
a aventura às 10h30 do dia 7 de dezembro de 1996, em Piccadilly
Circus, no centro de Londres, sem
financiadores, sem patrocínio.
Amanhã ele deve chegar a São
Paulo e em breve pretende festejar a assinatura de um contrato de
US$ 500 mil com uma empresa
norte-americana. Vai garantir seu
sustento até o fim da empreitada e
por um bom tempo depois.
O contrato inclui a produção de
documentários, melhorias no seu
site na Internet (www.therunningman.com) e, possivelmente,
o livro que Garside vem escrevendo, contando suas aventuras.
Não foram poucas: levou um tiro na Rússia, foi preso como espião na China, encontrou romance na Austrália, cruzou o Afeganistão em guerra civil, acordou
com um escorpião no travesseiro
e foi perseguido por assaltantes.
Ele segue em um ritmo leve,
mas carrega pelo menos 10 kg às
costas. E procura sempre chegar a
alguma cidade, ter um destino a
cada dia. Corre de 40 km a 100 km
por dia, mas já fez mais de 150 km
de uma vez só, para sair da China.
O segundo tiro mais longo foi de
145 km, no início do percurso, para rever a namorada em Paris.
Ele chegou ao Brasil há cerca de
um mês, entrando pelo Chuí
(RS). Já conheceu Florianópolis,
deu uma boa parada em Curitiba
e agora está na estrada, rumo a
São Paulo, onde pretende chegar
amanhã, às 16h, na praça da Sé.
Depois, vai para o Rio. Quer
aprender a dançar samba e sonha
em conhecer uma brasileira.
Leia os principais trechos da entrevista que concedeu à Folha esta
semana, por telefone, de Curitiba:
Folha - Por que você resolveu
fazer essa corrida?
Robert Garside - Já era corredor antes, tinha decidido virar
profissional, mas depois vi que
não era exatamente o que queria.
Quando soube que ninguém ainda tinha dado a volta ao mundo,
pensei que deveria fazer, porque
era o tipo de coisa que eu achava
que poderia fazer. Correr maratonas é ok, mas não é suficiente.
Folha - O que você fez para financiar seu projeto?
Garside -Isso foi muito difícil no
início. Não consegui nenhum
apoio. Quando eu comecei, tive
de dormir em delegacias de polícia, na casa de pessoas. Devagar,
comecei a ganhar algum dinheiro,
fazendo alguns projetos, vendendo fotos. Mas nunca é suficiente,
você precisa sempre mais.
Folha - Mas agora você já tem
bastante apoio, não?
Garside - Estou em negociações para um contrato de US$ 500 mil para produzir um documentário sobre a corrida. O web site que você
vê agora é ok, mas logo
teremos uma equipe de
TV mandando reportagens via satélite. É uma
empresa que produz
filmes nos EUA. E estou terminando meu
primeiro livro. É por
causa dele que estou
um pouco atrasado; eu
deveria estar no Panamá agora.
Folha - Você corre todos os
dias?
Garside - É difícil dizer. Nos últimos meses, não, porque venho
fazendo um monte de coisas, tentando fechar contratos. Procuro
fazer 400 km por semana. Mas paro uns dias aqui, uma semana lá,
para escrever o livro, porque preciso do dinheiro. Mas vou recuperar o tempo. Depois do Brasil, só
vou correr, sem interrupções.
Folha - Como tem sido sua corrida no Brasil?
Garside - O Brasil é legal, porque é muito bonito, ao longo da
costa. E não é muito caro, não
tanto quanto a Argentina. É um
país amigável e não parece muito
perigoso. Vou ter problemas logísticos na selva amazônica. Não
sei muito sobre florestas. Minha
maior preocupação é malária. E
vou precisar carregar coisas, dicionários para português e espanhol, equipamento especial para
enfrentar a umidade e mosquitos.
Pretendo também conseguir
permissão para carregar uma arma, porque estou preocupado
com os animais. Vou estar sozinho, e você não consegue negociar com uma serpente. Até agora,
não usei armas. Na fronteira com
a Venezuela, entrego a arma.
Folha - Até agora, como você
está pagando sua corrida? E
quanto ela vai custar, no total?
Garside - Estou pagando tudo.
É muito difícil. Vendo minhas fotos para a agência Gama, meus vídeos vão para Nova York. Você
tem de se marquetear. Consigo
dinheiro, apoios (no site na Internet, há agradecimentos a companhias aéreas, empresas de produtos esportivos etc) e sigo em frente. Acho que a corrida inteira vai
custar em torno de US$ 400
mil.Vou faturar com os documentários (montou um empresa
para representá-lo, a The Runningman Media). Mas a corrida
não tem a ver com dinheiro.
Folha - Com o que tem a ver?
Garside - É sobre correr, é sobre
liberdade. Não tenho propriedades, bens materiais. Eu tinha muito, tinha tudo o que qualquer pessoa tem, mas não era o que eu
queria naquele ponto da minha
vida. Você tem de carregar todas
essas coisas, elas possuem você,
você precisa tomar conta delas, e
eu queria liberdade para explorar
o mundo. Imagine explorar o
mundo... É sensacional. Quando
corri pela Índia, dormi numa delegacia de polícia, não tinha dinheiro, me davam comida. Corria
60 km por dia, no calor, entre as
pessoas, e aprendia coisas.
Folha - Como você conseguia
ajuda?
Garside - Eu tenho material para tradução. Sempre me apresento. Vou a uma delegacia de polícia... Não importa onde você esteja, é preciso tentar ficar limpo e
arrumado. Eu tento não parecer
com uma espécie de Forrest
Gump barbado, porque isso não
funciona, as pessoas pensam que
você é um vagabundo.
Folha - Você está no "Guinness"?
Garside - Já tenho o recorde
mundial de distância corrida (segundo o livro, o percurso mais
longo foi de 17.071 km, pelo norte-americano Robert Sweetgall de
outubro de 1982 a julho de 1983),
mas não entrei com a documentação. Como ainda estou correndo, parece bobo pedir o registro
agora, porque minha quilometragem está aumentando. Para dizer
a verdade, já não dou tanta importância. Mas vou pedir o registro pela primeira volta ao mundo
correndo e pela maior distância
corrida. Se conseguir, ótimo.
Folha - Mesmo assim, você está documentando seu trajeto.
Garside - Paro nas delegacias de
polícia para que carimbem e coloquem meu dia e horário de chegada e de partida. Eu me filmo a cada 10 km e filmo lugares que possam ser reconhecidos. As fitas são
guardadas sem ser editadas. E tenho os cadernos de registros. São,
na verdade, folhas soltas, que,
quando acabam, mando pelo correio para minha mãe.
Folha - Qual a pior situação
que você enfrentou?
Garside - Na Rússia, alguém atirou em mim, mas o tiro acertou a
mochila. Foi assustador. Estava
perto de Moscou. Foi cigano ou
algum babaca, eu continuei correndo. As dificuldades maiores
foram no Afeganistão, porque havia uma guerra civil lá. Tive problemas com a altitude no Himalaia. Fui preso na China suspeito
de espionagem; eles são muito
desconfiados de ocidentais.
Folha - E o melhor momento?
Garside - A corrida toda é legal.
Os dias são cansativos, mas você
sente que está ganhando, conhecendo coisas novas, ficando saudável. Alguns momentos especiais: correr o primeiro país, o primeiro continente, terminar o Himalaia. Japão e Austrália foram
interessantes. O Brasil está sendo
muito bom, é um lugar amigável.
Folha - No site, você fala com
carinho de uma australiana. A
corrida também teve romance?
Garside - (risos) Com certeza,
sim, na Austrália. Lucy foi muito
legal. Quando você encontra alguém que tem as mesmas idéias,
mesma atitudes... Ela foi assim.
Ela chegou e disse que ia seguir
comigo. Pegou sua bicicleta e veio
por cerca de 900 km. Carregou
minha mochila durante uns dois
meses. Foi muito legal. Ela ia vir
para a América do Sul, mas está
no final do curso de medicina.
Folha - Como você enfrenta os
problemas comuns dos corredores, bolhas, machucados, dores?
Garside - Corri praticamente
todos os dias dos últimos dez
anos. Nunca me contundi. Talvez
seja porque você se machuca
quando corre rápido, e eu corro
no ritmo que consigo fazer.
Folha - Quantos países você já
percorreu até agora?
Garside - O Brasil é o número
24. Foram entre 30 mil e 35 mil
km. Deveria ter feito mais. Mas
quando você corre só, as coisas
não são simples, há muito a fazer.
Outras pessoas que deram a volta
ao mundo tinham apoio. Cavalos,
camelos, jipes. E estavam caminhando. Não tenho nada disso.
Somos eu e minha mochila. E estou correndo, não caminhando.
Folha - Do Brasil, você segue
até os EUA e depois percorre a
África e a Antártida. O que vai
fazer quando terminar?
Garside - Se acertar o contrato,
vou para a Austrália. Vou arranjar
uma casa, um carro, e ter dinheiro
no banco. Estou montando uma
companhia para produzir roupas
esportivas, mas isso leva tempo.
Folha - Na Austrália, pretende
reencontrar Lucy?
Garside - Lucy será uma amiga.
Quem sabe? Não tenho planos.
Mas adoraria conhecer uma brasileira. São belas. Têm olhos lindos. Vamos ver o que acontece.
Há mulheres bonitas em todo o
mundo, mas as brasileiras são
realmente legais. Gostaria de dançar o samba. Vou ver se danço no
Rio. Parece mais divertido que o
tango. Não é tão sério. Aliás, não é
nem um pouco sério.
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