São Paulo, segunda-feira, 26 de dezembro de 2005

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Levantamento tem o olhar humano

A convite da Folha, Nasi, vocalista do Ira!, assistiu a um dia de trabalho do Datafolha para explicar como funciona o instituto

Eduardo Knapp/Folha Imagem
Profissionais do Datafolha acompanham uma partida de futebol pela televisão para tabular os dados, rotina que o instituto, pioneiro no Brasil, repete há 20 anos

NASI
ESPECIAL PARA A FOLHA

Nos anos 70, época romântica do futebol, quando eu ia ao estádio com o meu pai, era comum, na volta, no trânsito, ouvir pelo rádio as avaliações apaixonadas ou táticas dos comentaristas.
Um que está aí até hoje chamava atenção, ainda mais para mim que era um garoto. Em meio àquelas discussões e divagações, surgia a voz de Cláudio Carsughi, com um forte sotaque estrangeiro (depois descobri que é de Veneto) analisando os dados do jogo, chutes a gol, passes, lançamentos, desarmes... Praticamente um doutor Spock do futebol.
Acho que foi a primeira vez que tive contato com análise numérica, fria, estatística do jogo. Era mágica a contraposição daquilo com o calor da disputa em campo. Eu sempre ficava imaginando como no meio de uma partida de futebol, que envolve tanta emoção, tantos malabarismos, tanto improviso, alguém consegue ficar contando fundamentos que, muitas vezes, passam até batidos.
Foi aí que recebi convite da Folha para conhecer essas pessoas. Eu achava que era um computador que colhia esses dados...
Todos têm na cabeça um conceito de profissão perfeita. E, enquanto me dirigia para acompanhar a última rodada do Brasileiro deste ano, imaginei que iria conhecer exatamente as pessoas que têm esse privilégio. Elas são pagas para, aos domingos à tarde, sentar em frente à TV com amigos e assistir a uma partida de futebol.
Dá para querer mais?
Mas, ao mesmo tempo, me intrigava aquela situação. Como será que um brasileiro -que em sua maioria é interessado pelo esporte- consegue num momento desses, em que todos estão se divertindo, manter esse olhar frio e mecânico sobre a partida?
Não descobri nem robôs nem torcedores loucos.
O time de profissionais do Datafolha é formado por pessoas que, em grau variável, se interessam por futebol -há até meninas. Todos já têm uma boa rodagem -o que possui menos experiência está lá há três anos- e um forte espírito de camaradagem. Que me rendeu até um convite para o churrasco de fim de ano.
Eles se alinham em grupos de três em frente à TV -no domingo que assisti à rodada, foram tabulados sete jogos. Ir ao estádio é complicado, já que a visão é pior que a da TV em alguns casos.
Diante da tela, uma pessoa assiste à partida e canta as jogadas em voz alta, enquanto as outras duas anotam em planilhas, uma para cada time. No papel aparece uma grade com o nome dos atletas e suas atuações em cada fundamento. E são vários, como passes certos, errados, finalizações, faltas cometidas.
O tamanho do grupo não é aleatório. Com uma pessoa cantando as jogadas, fica mais fácil assimilar os dados. Além disso, quem anota também ajuda na observação. Se a idéia é chegar o mais próximo da precisão...
Outro problema é que, até para o mais aficionado torcedor, é impossível guardar a cara de todos os jogadores. É necessária uma memorização pra lá da que desenvolvíamos no tempo do futebol de botão, em que alguns nomes se eternizavam.
Para facilitar a identificação, os funcionários do Datafolha ganham uma "cola", que destaca características de cada atleta como cor do cabelo, penteado, cor da pele, altura ou falta de...
Cada grupo já desenvolveu seu próprio ritmo de trabalho, seus próprios códigos e afinidades.
O entrosamento, às vezes, tem até a ver com o clube do coração. Naquele domingo, um trio de palmeirenses vibrou como se estivesse na arquibancada quando o time virou contra o Fluminense.
E se perderem o lance?
Sempre que acontece um incidente -na última rodada do Brasileiro, a TV saiu do ar-, a equipe do Datafolha continua a anotar os dados e vê o teipe depois para buscar o que foi perdido.
Na Copa de 98, o rapaz que anotava os lances de Argentina x Holanda, pelas quartas-de-final, não agüentou o gol do holandês Bergkamp aos 45min do segundo tempo e largou tudo para comemorar feito um louco. Teve de correr atrás da fita depois.
A dispersão, no entanto, é rara. Eu passei completamente despercebido no dia em que estive lá, como alma penada. Mas, acho até que se a Daniella Cicarelli passasse pela sala, não faria eles desgrudarem os olhos nem um minuto de sua "batalha naval".
Mas há espaço para cornetar o jogo, fazer comentários ou secar o time rival mesmo em meio ao ritmo frenético das jogadas cantadas em uma língua estranha.
Quem trabalha no Datafolha tem seus próprios códigos, muitos que só conseguiram parar para me explicar após a rodada. Fiquei horas encucado com o tal do "com": "Bola ataque, Mineiro com", repetiam.
"Com" é como eles chamam o desarme completo, aquele que tira a bola do rival e a mantém com quem a roubou.
Tudo para tentar chegar o mais perto possível da precisão.
E, no final, na volta para casa, no trânsito, me peguei pensando: Será que era assim que o Carsughi fazia mais de 20 anos atrás?

Nasi, 43, é vocalista do Ira! e apresenta o "Prorrogação", na rádio Brasil 2000 FM

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