São Paulo, segunda-feira, 26 de dezembro de 2005

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OPINIÃO

Números e subjetividade

TOSTÃO
COLUNISTA DA FOLHA

A prendi na minha carreira anterior que a medicina é uma ciência biológica, humana e estatística. Todo ato médico, seja orientação, prescrição de medicamento para uma simples dor de cabeça ou uma grande cirurgia, tem riscos e benefícios previsíveis. Nunca se tem certeza do resultado final. Isso aumenta a responsabilidade do médico, em vez de ser uma desculpa para os insucessos.
O médico que não conhece as possibilidades estatísticas de sua atuação e somente confia na observação e na capacidade técnica será, no mínimo, um profissional prepotente.
Por outro lado, se o médico atende a um paciente sem pensar e agir como se ele fosse único e diferente de todos os outros que fazem parte da estatística, esse profissional não vai ser um médico, e sim um técnico em medicina.
No futebol não é diferente. Se analisarmos um profissional apenas pelas estatísticas de sua trajetória, a análise será bastante deficiente. O exemplo disso é o do jogador que quase não erra passes, mas que só dá passes para o lado.
Mas se analisarmos um atleta apenas pelas observações subjetivas, sem levar em conta as estatísticas, a análise será também falha.
Seria interessante e curioso se fizessem uma análise estatística das atuações do Pelé. Com certeza, os números estariam muito aquém de suas eficiência e genialidade.
Alguns comentaristas são fascinados por números. Como têm pouca confiança, sensibilidade e habilidade para lidar com a subjetividade, acham que a estatística pode explicar os fatos. Conhecimento não é só informação. Outros a desprezam. Para eles, números são chatos, assunto menor, menos inteligente e de interesse de pessoas pragmáticas.
Nas transmissões de futebol, os números do jogo são geralmente pouco valorizados e/ou desprezados. Parece que as estatísticas são só apresentadas para dizer que a TV segue a evolução tecnológica.
A razão está no meio. Os números são importantes desde que sejam analisados com outras observações objetivas e subjetivas.
Filpo Nunes, quando era técnico do Cruzeiro na década de 60, depois de ser campeão pelo Palmeiras várias vezes, tinha o hábito de reunir os jogadores após o jogo. Num dos bate-papos, em que um meia-atacante tinha sido eleito pela imprensa o melhor da partida, Filpo perguntou: "Quantos gols ou quantas finalizações você fez que quase foram gols?".
Ele respondeu: "Nenhum".
"Quantos passes você deu que foram gols ou que quase resultaram em gols?"
"Nenhum".
Filpo Nunes concluiu: "Você correu muito, pegou muito na bola, mas não fez nada importante".


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