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FUTEBOL
Um país anestesiado
JUCA KFOURI
COLUNISTA DA FOLHA
As pesquisas revelam que
nós, brasileiros, avaliamos
que a corrupção é suportável se
há progresso econômico.
Em resumo: se governos roubam, mas fazem, tudo bem.
Como se a corrupção não tivesse influência direta na taxa de
miserabilidade de nosso povo.
Mas parece que nada mais choca a população, nada a indigna
em qualquer área, incluindo, é
claro, a do esporte.
Na semana passada, o Tribunal
de Contas da União tornou público um relatório que analisa o programa Segundo Tempo, do Ministério do Esporte, menina dos
olhos de Agnelo Queiroz -candidato ao governo ou ao Senado no
Distrito Federal, pelo PC do B.
Pois entrou areia, para não dizer lama, na menina dos olhos do
programa que atende alardeadas
mais de 1 milhão de crianças, números jamais demonstrados.
Também, pudera. O Tribunal
de Contas União mostra que embora cada núcleo do Segundo
Tempo deva atender, segundo seu
Manual de Diretrizes, 200 crianças, 49,9% atendem menos de
150. O manual diz, ainda, que cada núcleo deve oferecer atividades esportivas três vezes por semana e duas horas por dia e promover duas atividades coletivas e
uma individual. Pois o TCU prova que 58% dos núcleos não oferecem atividades duas horas por
dia e três vezes por semana, além
de que 43,2% não promovem atividades individuais.
Tem mais.
Não se respeita, em 53,8% dos
núcleos, o princípio de que os
mais carentes tenham prioridade,
com as inscrições feitas simplesmente por ordem de chegada.
E, mais grave, é textual no relatório do TCU: "Muitos núcleos
não têm recebido reforço alimentar adequado às necessidades dos
beneficiários do programa. O Ministério do Esporte repassa recursos para a compra e distribuição
de merenda para os núcleos. Entretanto, a pesquisa postal indicou que 28,4% dos núcleos nunca
receberam o reforço alimentar.
Dentre os que receberam, 39,2%
disseram oferecer apenas biscoito
com refrigerante ou suco, o que
não atende ao objetivo do Segundo Tempo de promover hábitos
saudáveis de nutrição".
A repercussão do relatório limitou-se a uma nota no "Painel FC"
desta Folha e à reprodução de
seus trechos mais importantes em
meu blog (www.blogdojuca.
blog.uol.com.br) e em meu programa de rádio na CBN.
Não é à toa que o presidente da
Confederação Brasileira de Vôlei,
Ary Graça, pego em mordomias
pelo "Globo", minimize a denúncia e argumente que dirige uma
entidade privada, apesar de receber recursos públicos provenientes da Lei Piva e ser fortemente
patrocinado por uma empresa estatal, o Banco do Brasil.
Afinal, o vôlei deve ser o esporte
mais vitorioso do país hoje em
dia, e, se seu dirigente usa um automóvel igual ao do presidente da
República (um Omega canadense), talvez o cartola até pergunte:
"O que fez o Lula para tanto? Eu
fiz!". E, feliz, o Brasil, sob anestesia geral, concordará.
Ainda mais no Carnaval.
Caso exemplar
O Instituto Bombeiros Amigos
da Vida (Ibav), em Brasília,
promove o Segundo Tempo e
não atende a 200 crianças. As
que atende, quando castigadas,
são postas para fazer o trabalho
dos bombeiros, na limpeza de
banheiros, lavagem de louça,
das paredes etc. Certa tarde,
termômetro marcando 32C,
12% de umidade no Planalto,
crianças sapecas ficaram 40 minutos em posição de sentido,
imóveis, obrigadas a cantar o
Hino Nacional, sob o sol, contra tudo o que está no Estatuto
da Criança e do Adolescente.
Uma professora do núcleo, Cecília Maria Simplício, denunciou. Acabou demitida. Ela denuncia, também, estranhos casos de adiantamentos salariais
que se transformam em "doações espontâneas". O Ministério Público agirá.
E-mail - blogdojuca@uol.com.br
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