São Paulo, segunda-feira, 27 de fevereiro de 2006

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FUTEBOL

Um país anestesiado

JUCA KFOURI
COLUNISTA DA FOLHA

As pesquisas revelam que nós, brasileiros, avaliamos que a corrupção é suportável se há progresso econômico.
Em resumo: se governos roubam, mas fazem, tudo bem.
Como se a corrupção não tivesse influência direta na taxa de miserabilidade de nosso povo.
Mas parece que nada mais choca a população, nada a indigna em qualquer área, incluindo, é claro, a do esporte.
Na semana passada, o Tribunal de Contas da União tornou público um relatório que analisa o programa Segundo Tempo, do Ministério do Esporte, menina dos olhos de Agnelo Queiroz -candidato ao governo ou ao Senado no Distrito Federal, pelo PC do B.
Pois entrou areia, para não dizer lama, na menina dos olhos do programa que atende alardeadas mais de 1 milhão de crianças, números jamais demonstrados.
Também, pudera. O Tribunal de Contas União mostra que embora cada núcleo do Segundo Tempo deva atender, segundo seu Manual de Diretrizes, 200 crianças, 49,9% atendem menos de 150. O manual diz, ainda, que cada núcleo deve oferecer atividades esportivas três vezes por semana e duas horas por dia e promover duas atividades coletivas e uma individual. Pois o TCU prova que 58% dos núcleos não oferecem atividades duas horas por dia e três vezes por semana, além de que 43,2% não promovem atividades individuais.
Tem mais.
Não se respeita, em 53,8% dos núcleos, o princípio de que os mais carentes tenham prioridade, com as inscrições feitas simplesmente por ordem de chegada.
E, mais grave, é textual no relatório do TCU: "Muitos núcleos não têm recebido reforço alimentar adequado às necessidades dos beneficiários do programa. O Ministério do Esporte repassa recursos para a compra e distribuição de merenda para os núcleos. Entretanto, a pesquisa postal indicou que 28,4% dos núcleos nunca receberam o reforço alimentar. Dentre os que receberam, 39,2% disseram oferecer apenas biscoito com refrigerante ou suco, o que não atende ao objetivo do Segundo Tempo de promover hábitos saudáveis de nutrição".
A repercussão do relatório limitou-se a uma nota no "Painel FC" desta Folha e à reprodução de seus trechos mais importantes em meu blog (www.blogdojuca. blog.uol.com.br) e em meu programa de rádio na CBN.
Não é à toa que o presidente da Confederação Brasileira de Vôlei, Ary Graça, pego em mordomias pelo "Globo", minimize a denúncia e argumente que dirige uma entidade privada, apesar de receber recursos públicos provenientes da Lei Piva e ser fortemente patrocinado por uma empresa estatal, o Banco do Brasil.
Afinal, o vôlei deve ser o esporte mais vitorioso do país hoje em dia, e, se seu dirigente usa um automóvel igual ao do presidente da República (um Omega canadense), talvez o cartola até pergunte: "O que fez o Lula para tanto? Eu fiz!". E, feliz, o Brasil, sob anestesia geral, concordará.
Ainda mais no Carnaval.

Caso exemplar
O Instituto Bombeiros Amigos da Vida (Ibav), em Brasília, promove o Segundo Tempo e não atende a 200 crianças. As que atende, quando castigadas, são postas para fazer o trabalho dos bombeiros, na limpeza de banheiros, lavagem de louça, das paredes etc. Certa tarde, termômetro marcando 32C, 12% de umidade no Planalto, crianças sapecas ficaram 40 minutos em posição de sentido, imóveis, obrigadas a cantar o Hino Nacional, sob o sol, contra tudo o que está no Estatuto da Criança e do Adolescente. Uma professora do núcleo, Cecília Maria Simplício, denunciou. Acabou demitida. Ela denuncia, também, estranhos casos de adiantamentos salariais que se transformam em "doações espontâneas". O Ministério Público agirá.


E-mail - blogdojuca@uol.com.br

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