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FÁBIO SEIXAS
A bolha
Modelo seguido pela Stock, Nascar vive complicada crise de identidade nos EUA que deveria funcionar de alerta
UM EFICIENTE termômetro
para avaliar se algo funciona
no Brasil é o número de pessoas no entorno deste algo que tentam picaretar. Quanto mais gente
quer tirar uma casquinha, melhor é
o produto. É marginal, extra-oficial,
triste até. É mais um jeitinho brasileiro. No caso, de aferir pujança.
"Tem ingresso para a Stock?", perguntou o cambista, quase debruçado
na janela do carro, na avenida Interlagos. "Eu quero. Tô comprando."
Cambista na Stock Car? Pois é.
Cambistas, flanelinhas, marronzinhos com talão e caneta a postos,
vendedores ambulantes, distribuidores de panfletos e brindes. Tudo
isso, toda essa tropa, no último domingo, ao redor do autódromo.
Ano passado, no mesmo evento,
não foi assim. Não foi sombra disso.
Sinal de crescimento, portanto.
Crescimento que também parecia
flagrante intramuros. Associada a
Nizan Guanaes e à promotora mexicana CIE, a Stock Car ganhou banners coloridos, novos laboratórios
de genéricos estampando carros,
uma quarta montadora, camarotes
mais pomposos, regulamento para
filtrar 38 pilotos entre 50 inscritos.
Ah, sim, um badalado "title sponsor", o mesmo da principal categoria
da Nascar, sua fonte de inspiração.
Paradigma, porém, que deveria
ser reavaliado enquanto há tempo.
Porque o sucesso que salta aos olhos
nos EUA é ilusório. E o daqui tem todo o jeito de seguir o mesmo rumo.
Lá e aqui, são bolhas. Lá, já estourou.
Deu no "New York Times", semana passada: após anos no auge, a
Nascar vive uma crise de identidade
que se reflete em arquibancadas cada vez mais vazias, quedas nos índices de audiência e no faturamento.
No primeiro trimestre, a receita
da Nascar despencou 19% em relação ao mesmo período de 2006. O
lucro caiu 4,5%. Mais de 80% das
provas no ano passado tiveram queda de audiência na comparação com
2005. Desde 2004, a Fox verifica
menos TVs sintonizadas nas corridas em quatro dos cinco principais
mercados dos EUA. O maior golpe
foi na região da Filadélfia: 28%.
Não por coincidência, outra emissora, a NBC, decidiu não renovar o
contrato com a categoria. "É um
"blip" preocupante no radar", opinou
Kyle Petty, piloto, filho e neto de
lendas do automobilismo de lá.
Um dos motivos da crise está num
dos diagnósticos feitos por Petty. A
corrida, o público e a venda de ingressos ficaram em segundo plano.
"O que interessa é o volume de Coca-Cola que conseguimos vender."
Em outras palavras, a Nascar tornou-se muito mais um veículo de
marketing do que um esporte. O que
é perigoso. Porque novos veículos de
marketing surgem o tempo todo. E
não estabelecem laços de fidelidade.
Quantas vezes você já mudou de
marca de desodorante, de café, de
carro? Várias. Quantas vezes você
escolheu o esporte favorito? Pois é.
A Stock vai no mesmo rumo pois
põe o torcedor em segundo plano.
A categoria tornou-se um evento
corporativo. Com exceção dos velhos setores lá na Junção, longe dos
boxes, da largada e do S, todos os lugares estavam reservados para convidados dos tais laboratórios, suas
camisetas fosforescentes e seus ridículos bastões infláveis barulhentos
-a cada passagem do carro patrocinado por aquelas cores, eles batiam
os bastões, como os torcedores japoneses amestrados na Copa de 2002.
Como na Nascar, o aspecto técnico é duvidoso. Os carros não são
Peugeot, Chevrolet, Mitsubishi ou
Volkswagen. São todos iguais. O que
muda são as carenagens, as bolhas.
E no caso da Stock há, ainda, uma
fraqueza que a Nascar não tem: a total dependência a uma só emissora.
A bolha ainda não estourou, ainda
há tempo para buscar outro modelo.
A alemã DTM, a Stock australiana, o
WTCC talvez. A Nascar afunda. E,
efeito borboleta, pode arrastar o
cambista de Interlagos com ela.
fseixas@folhasp.com.br
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