São Paulo, sexta-feira, 27 de abril de 2007

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FÁBIO SEIXAS

A bolha

Modelo seguido pela Stock, Nascar vive complicada crise de identidade nos EUA que deveria funcionar de alerta

UM EFICIENTE termômetro para avaliar se algo funciona no Brasil é o número de pessoas no entorno deste algo que tentam picaretar. Quanto mais gente quer tirar uma casquinha, melhor é o produto. É marginal, extra-oficial, triste até. É mais um jeitinho brasileiro. No caso, de aferir pujança. "Tem ingresso para a Stock?", perguntou o cambista, quase debruçado na janela do carro, na avenida Interlagos. "Eu quero. Tô comprando." Cambista na Stock Car? Pois é.
Cambistas, flanelinhas, marronzinhos com talão e caneta a postos, vendedores ambulantes, distribuidores de panfletos e brindes. Tudo isso, toda essa tropa, no último domingo, ao redor do autódromo. Ano passado, no mesmo evento, não foi assim. Não foi sombra disso. Sinal de crescimento, portanto. Crescimento que também parecia flagrante intramuros. Associada a Nizan Guanaes e à promotora mexicana CIE, a Stock Car ganhou banners coloridos, novos laboratórios de genéricos estampando carros, uma quarta montadora, camarotes mais pomposos, regulamento para filtrar 38 pilotos entre 50 inscritos.
Ah, sim, um badalado "title sponsor", o mesmo da principal categoria da Nascar, sua fonte de inspiração. Paradigma, porém, que deveria ser reavaliado enquanto há tempo. Porque o sucesso que salta aos olhos nos EUA é ilusório. E o daqui tem todo o jeito de seguir o mesmo rumo. Lá e aqui, são bolhas. Lá, já estourou. Deu no "New York Times", semana passada: após anos no auge, a Nascar vive uma crise de identidade que se reflete em arquibancadas cada vez mais vazias, quedas nos índices de audiência e no faturamento.
No primeiro trimestre, a receita da Nascar despencou 19% em relação ao mesmo período de 2006. O lucro caiu 4,5%. Mais de 80% das provas no ano passado tiveram queda de audiência na comparação com 2005. Desde 2004, a Fox verifica menos TVs sintonizadas nas corridas em quatro dos cinco principais mercados dos EUA. O maior golpe foi na região da Filadélfia: 28%.
Não por coincidência, outra emissora, a NBC, decidiu não renovar o contrato com a categoria. "É um "blip" preocupante no radar", opinou Kyle Petty, piloto, filho e neto de lendas do automobilismo de lá. Um dos motivos da crise está num dos diagnósticos feitos por Petty. A corrida, o público e a venda de ingressos ficaram em segundo plano. "O que interessa é o volume de Coca-Cola que conseguimos vender." Em outras palavras, a Nascar tornou-se muito mais um veículo de marketing do que um esporte. O que é perigoso. Porque novos veículos de marketing surgem o tempo todo. E não estabelecem laços de fidelidade.
Quantas vezes você já mudou de marca de desodorante, de café, de carro? Várias. Quantas vezes você escolheu o esporte favorito? Pois é. A Stock vai no mesmo rumo pois põe o torcedor em segundo plano. A categoria tornou-se um evento corporativo. Com exceção dos velhos setores lá na Junção, longe dos boxes, da largada e do S, todos os lugares estavam reservados para convidados dos tais laboratórios, suas camisetas fosforescentes e seus ridículos bastões infláveis barulhentos -a cada passagem do carro patrocinado por aquelas cores, eles batiam os bastões, como os torcedores japoneses amestrados na Copa de 2002.
Como na Nascar, o aspecto técnico é duvidoso. Os carros não são Peugeot, Chevrolet, Mitsubishi ou Volkswagen. São todos iguais. O que muda são as carenagens, as bolhas. E no caso da Stock há, ainda, uma fraqueza que a Nascar não tem: a total dependência a uma só emissora. A bolha ainda não estourou, ainda há tempo para buscar outro modelo. A alemã DTM, a Stock australiana, o WTCC talvez. A Nascar afunda. E, efeito borboleta, pode arrastar o cambista de Interlagos com ela.

fseixas@folhasp.com.br


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