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OUTDOORS
Brasileiro afirma que sangue-frio e clima serão trunfos para
completar a escalada do K2, no Paquistão, montanha mais
perigosa do mundo, responsável pela morte de 54 pessoas
O homem de gelo
EDUARDO OHATA
DA REPORTAGEM LOCAL
A -30C, o sangue-frio será, em
diversos sentidos, a principal arma de Waldemar Niclevicz, 33,
em sua terceira tentativa de se tornar o primeiro brasileiro a escalar
o K2, segunda maior montanha
do mundo e a mais perigosa, localizada no norte do Paquistão, perto da fronteira com a China.
O K2, com 8.611 m, por seu alto
grau de dificuldade -54 pessoas
morreram ao tentar escalá-lo-,
foi conquistado por só 164 alpinistas e também já provocou muitas mortes na descida. Embora seja o mais alto e famoso do mundo,
o Everest, de 8.848 m, teve a escalada concluída por 1.200 pessoas.
Niclevicz, primeiro brasileiro a
escalar o Everest e que tentou e teve de desistir da escalada do K2
em 1998 e 1999, deixa o país nesta
quarta, acreditando que estar frio
será importante em dois aspectos:
o climático e o psicológico.
""Quanto mais frio, melhor. Isso
significa que o clima está estável e
há menos riscos de avalanches.
Sinto-me mais seguro quando estamos a -30C ou temperaturas
mais baixas. É quando a temperatura começa a oscilar que chega a
hora de nos preocuparmos."
O alpinista brasileiro acredita
que para ser bem sucedido nesta
nova tentativa também vai ser
fundamental o sangue-frio que
adquiriu com a experiência acumulada nas duas vezes em que
tentou escalar o K2, por já conhecer bem a rota de escalada, chamada de Esporão dos Abruzzos.
O K2 é considerado mais difícil
de escalar -há três anos ninguém alcança seu topo-, pois
tem um alto grau de inclinação,
com contornos abruptos, além de
ficar na parte mais inacessível da
Cordilheira do Himalaia, onde
não há estrutura ou vilas.
Em sua primeira tentativa, em
1998, o brasileiro foi obrigado a
desistir por causa de uma avalanche, após ter alcançado os 8.040
m. Na segunda, no ano passado, a
morte de um colega romeno, atingido na cabeça por uma pedra,
impressionou o grupo de alpinistas e levou Niclevicz a desistir.
Hoje, ele acha que tem mais
sangue-frio, ao se acostumar com
ocorrências que antes o assustavam, como, além dos acidentes, as
avalanches com pedaços de corpos de pessoas desaparecidas.
""Respeito muito o K2, é realmente uma escalada perigosa.
Mas hoje não fico mais impressionado com ele. Sabemos como
chegar ao topo, depende de nós
mesmos, é uma escalada interna",
filosofa. ""Perguntam se gosto de
adrenalina. Ao contrário, sou
muito prudente, com os pés no
chão. Esse é meu segredo."
Para procurar relaxar, o brasileiro levará em sua bagagem fitas
com músicas e incenso, para usar
durante as meditações.
Na primeira vez em que tentou
a escalada, o brasileiro alcançou
os 8.000 m. É nesse ponto que os
alpinistas se deparam com o principal obstáculo até o topo: o serac
(ponta de um glaciar), um trecho
de cerca de 300 m por um bloco
frágil de gelo.
""A partir daí, é que estará o desafio. Até essa marca, não há mais
segredo, deve ser um processo
menos estressante do que o das
vezes anteriores", disse, acrescentando que após esse ponto ainda
restam uns 200 m -menos complicados- de escalada.
O fato de hoje poder contar com
boletins meteorológicos ""bastante acurados", enviados via Internet, também anima o brasileiro.
Mas o desafio do K2, chamado
de ""a montanha das montanhas"
pelos habitantes locais, tem início
muito antes de sua base ser alcançada, pois para chegar ao pé do
K2, é preciso percorrer 95 km a
pé, o que representa de sete a oito
dias de caminhada, dependendo
das condições climáticas.
Nessa etapa, os alpinistas têm de
exercitar suas habilidades como
administradores, pois têm de tratar com uma equipe de mais de
200 trabalhadores. É preciso reservar até o dinheiro da propina
para evitar revoltas entre os carregadores, recrutados entre a população mais pobre do Paquistão.
O brasileiro explica que outro
problema relacionado com os paquistaneses é o fato de eles conduzirem os jipes em alta velocidade,
até mesmo quando estão dirigindo na borda de precipícios.
Como companheiros de expedição, Niclevicz terá o alemão Peter Guggemos e os italianos Abele
Blanc, Marco Camandona e Hans
Kammerlander, que é considerado um dos maiores alpinistas da
atualidade e já escalou 12 das 14
maiores montanhas do mundo,
todas com mais de 8.000 m.
Niclevicz, que nasceu em Foz do
Iguaçu (PR), espera também a
companhia de expedições dos
EUA, que teriam embarcado esta
semana para o Paquistão, e de outros grupos do Japão, da Coréia
do Sul e da República Tcheca. Como os custos para a organização
de uma expedição desse gênero
são muito altos, ainda podem haver desistências de última hora.
Como preparação técnica para a
escalada do K2, o brasileiro fez várias expedições recentemente. Na
Cordilheira dos Andes, escalou
duas montanhas, a Copiapó
(6.090 m) e a Pastillitos (5.090 m).
Niclevicz também escalou o Pico da Neblina, em abril, em programação que serviu para homenagear os 500 anos da chegada
dos portugueses ao Brasil.
Também fizeram parte da rotina de preparação corridas de 10
km e sessões de musculação e de
natação, além de caminhadas.
Como próximas empreitadas,
Niclevicz pretende concluir um livro sobre o fato de ter sido o primeiro sul-americano a completar
a escalada das maiores montanhas na Ásia, Antártida, Europa,
África, América do Sul, América
do Norte e Oceania e, se bem-sucedido em sua nova expedição,
outro sobre a escalada do K2.
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