São Paulo, sábado, 27 de maio de 2000


Envie esta notícia por e-mail para
assinantes do UOL ou da Folha
Texto Anterior | Índice

OUTDOORS
Brasileiro afirma que sangue-frio e clima serão trunfos para completar a escalada do K2, no Paquistão, montanha mais perigosa do mundo, responsável pela morte de 54 pessoas
O homem de gelo

EDUARDO OHATA
DA REPORTAGEM LOCAL

A -30C, o sangue-frio será, em diversos sentidos, a principal arma de Waldemar Niclevicz, 33, em sua terceira tentativa de se tornar o primeiro brasileiro a escalar o K2, segunda maior montanha do mundo e a mais perigosa, localizada no norte do Paquistão, perto da fronteira com a China.
O K2, com 8.611 m, por seu alto grau de dificuldade -54 pessoas morreram ao tentar escalá-lo-, foi conquistado por só 164 alpinistas e também já provocou muitas mortes na descida. Embora seja o mais alto e famoso do mundo, o Everest, de 8.848 m, teve a escalada concluída por 1.200 pessoas.
Niclevicz, primeiro brasileiro a escalar o Everest e que tentou e teve de desistir da escalada do K2 em 1998 e 1999, deixa o país nesta quarta, acreditando que estar frio será importante em dois aspectos: o climático e o psicológico.
""Quanto mais frio, melhor. Isso significa que o clima está estável e há menos riscos de avalanches. Sinto-me mais seguro quando estamos a -30C ou temperaturas mais baixas. É quando a temperatura começa a oscilar que chega a hora de nos preocuparmos."
O alpinista brasileiro acredita que para ser bem sucedido nesta nova tentativa também vai ser fundamental o sangue-frio que adquiriu com a experiência acumulada nas duas vezes em que tentou escalar o K2, por já conhecer bem a rota de escalada, chamada de Esporão dos Abruzzos.
O K2 é considerado mais difícil de escalar -há três anos ninguém alcança seu topo-, pois tem um alto grau de inclinação, com contornos abruptos, além de ficar na parte mais inacessível da Cordilheira do Himalaia, onde não há estrutura ou vilas.
Em sua primeira tentativa, em 1998, o brasileiro foi obrigado a desistir por causa de uma avalanche, após ter alcançado os 8.040 m. Na segunda, no ano passado, a morte de um colega romeno, atingido na cabeça por uma pedra, impressionou o grupo de alpinistas e levou Niclevicz a desistir.
Hoje, ele acha que tem mais sangue-frio, ao se acostumar com ocorrências que antes o assustavam, como, além dos acidentes, as avalanches com pedaços de corpos de pessoas desaparecidas.
""Respeito muito o K2, é realmente uma escalada perigosa. Mas hoje não fico mais impressionado com ele. Sabemos como chegar ao topo, depende de nós mesmos, é uma escalada interna", filosofa. ""Perguntam se gosto de adrenalina. Ao contrário, sou muito prudente, com os pés no chão. Esse é meu segredo."
Para procurar relaxar, o brasileiro levará em sua bagagem fitas com músicas e incenso, para usar durante as meditações.
Na primeira vez em que tentou a escalada, o brasileiro alcançou os 8.000 m. É nesse ponto que os alpinistas se deparam com o principal obstáculo até o topo: o serac (ponta de um glaciar), um trecho de cerca de 300 m por um bloco frágil de gelo.
""A partir daí, é que estará o desafio. Até essa marca, não há mais segredo, deve ser um processo menos estressante do que o das vezes anteriores", disse, acrescentando que após esse ponto ainda restam uns 200 m -menos complicados- de escalada.
O fato de hoje poder contar com boletins meteorológicos ""bastante acurados", enviados via Internet, também anima o brasileiro.
Mas o desafio do K2, chamado de ""a montanha das montanhas" pelos habitantes locais, tem início muito antes de sua base ser alcançada, pois para chegar ao pé do K2, é preciso percorrer 95 km a pé, o que representa de sete a oito dias de caminhada, dependendo das condições climáticas.
Nessa etapa, os alpinistas têm de exercitar suas habilidades como administradores, pois têm de tratar com uma equipe de mais de 200 trabalhadores. É preciso reservar até o dinheiro da propina para evitar revoltas entre os carregadores, recrutados entre a população mais pobre do Paquistão.
O brasileiro explica que outro problema relacionado com os paquistaneses é o fato de eles conduzirem os jipes em alta velocidade, até mesmo quando estão dirigindo na borda de precipícios.
Como companheiros de expedição, Niclevicz terá o alemão Peter Guggemos e os italianos Abele Blanc, Marco Camandona e Hans Kammerlander, que é considerado um dos maiores alpinistas da atualidade e já escalou 12 das 14 maiores montanhas do mundo, todas com mais de 8.000 m.
Niclevicz, que nasceu em Foz do Iguaçu (PR), espera também a companhia de expedições dos EUA, que teriam embarcado esta semana para o Paquistão, e de outros grupos do Japão, da Coréia do Sul e da República Tcheca. Como os custos para a organização de uma expedição desse gênero são muito altos, ainda podem haver desistências de última hora.
Como preparação técnica para a escalada do K2, o brasileiro fez várias expedições recentemente. Na Cordilheira dos Andes, escalou duas montanhas, a Copiapó (6.090 m) e a Pastillitos (5.090 m).
Niclevicz também escalou o Pico da Neblina, em abril, em programação que serviu para homenagear os 500 anos da chegada dos portugueses ao Brasil.
Também fizeram parte da rotina de preparação corridas de 10 km e sessões de musculação e de natação, além de caminhadas.
Como próximas empreitadas, Niclevicz pretende concluir um livro sobre o fato de ter sido o primeiro sul-americano a completar a escalada das maiores montanhas na Ásia, Antártida, Europa, África, América do Sul, América do Norte e Oceania e, se bem-sucedido em sua nova expedição, outro sobre a escalada do K2.



Texto Anterior: Futebol - José Geraldo Couto: Futebol demais congestiona
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.