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São Paulo, terça-feira, 27 de maio de 2003

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BASQUETE

Santa mão

MELCHIADES FILHO
EDITOR DE ESPORTE

Em 1985, o psicólogo Tom Gilovic colocou em xeque uma das máximas do basquete: a de que muitas vezes o atleta entra em uma espécie de transe e, superconfiante, passa a acertar todos os arremessos.
Professor em Stanford, ele pediu ajuda a dois matemáticos de Cornell, outra conceituada universidade dos EUA, e mirou na NBA.
Primeiro, o trio debruçou-se sobre o Boston Celtics, analisando todos os lances livres que a equipe atirou em duas temporadas.
Segundo a teoria das "mãos quentes", os atletas, quando convertessem o primeiro arremesso de bonificação, teriam mais facilidade para acertar o seguinte. Feitas as contas, contudo, constatou-se que o aproveitamento era igualzinho ao de quando haviam errado a primeira tentativa: 75%.
Depois, o trio contatou o Philadelphia, clube da NBA com o mais completo centro de coleta e estudo das estatísticas do basquete. Encomendou e cruzou os dados de dois campeonatos inteiros.
De novo os números foram implacáveis. A equipe chutou com mais eficiência depois de ter perdido (54%) do que depois de ter acertado um arremesso (51%). Também foi melhor após ter errado os dois tiros anteriores (53%, contra 50% após ter convertido ambos) -ou os três (56% a 46%).
A relação apareceu também na avaliação dos desempenhos individuais. Nenhum dos 13 atletas do time mostrou "mãos quentes".
Gilovic então sentenciou: "A performance de um jogador em um arremesso independe de seu sucesso no lance anterior".
Os atletas até podem ter a impressão de que estejam embalados, "em fogo", admitiu o psicólogo. Ou que se sintam "gelados", predispostos ao erro. Mas trata-se apenas de uma questão de percepção, alimentada pelo entusiasmo dos colegas, da arquibancada.
É como o sujeito tirar cinco coroas seguidas na moedinha. Em cem tentativas, porém, o número tenderia a se igualar ao de caras -no basquete, o equilíbrio seria a pontaria média do jogador.
A ocorrência das cinco coroas, a chamada ilusão de "clusters", não passaria de uma anomalia.
Não sei por quê, mas recordei-me do estudo de Stanford e Cornell (que o leitor mais fiel já leu aqui) assim que tomei conhecimento da despedida de Oscar.
Podia ter me lembrado das primeiras cestas -e primeiras lágrimas- no Sírio. Da polêmica trajetória na seleção. Da aplaudida passagem pela Europa. Da fantástica conquista em Indianápolis. Da reverência que lhe prestam os pesos-pesados. Do carisma que ainda comove a tela global.
Ou da candidatura desastrosa ao Senado paulista. Da necessidade patológica do elogio (o que explica a contagem fantasiosa de seus pontos). Das descargas emocionais nas últimas atuações.
Não, veio-me justamente a pesquisa de Stanford e Cornell.
Talvez porque ela preste, à sua maneira, uma bonita homenagem ao esporte, ao atestar que cada arremesso tem luz própria.
Talvez porque, espírito de porco, eu gostaria de ver o trio norte-americano tomar a temperatura das mãos de Oscar, este artista da cesta, gênio que o basquete perde.

Oscar goes to... 1
Sexta-feira, 2 de agosto de 1996, aos 38 anos, sexto lugar na sua quinta e última Olimpíada. Os outros 11 atletas saúdam-no na quadra. À noite, batem a seu quarto e lhe assinam a camiseta, um presente para o filho, Felipe. Oscar também se despediu em paz da seleção.

Oscar goes to... 2
Na autobiografia, Oscar conta que seu ídolo é Ubiratan e cita Adílson como o melhor brasileiro que viu em quadra. Engraçado saber que ele reverencia justamente dois jogadores que brilharam na defesa.

Oscar goes to... 3
Fica para outra vez a coluna sobre os 40 anos do bi mundial. Por favor, turma, não vá reclamar, até por essa bobagem, do cestinha...

E-mail melk@uol.com.br


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