São Paulo, domingo, 27 de junho de 2004

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FUTEBOL

Freguês do Felipão

TOSTÃO
COLUNISTA DA FOLHA

A Eurocopa-2004 está melhor do que as anteriores. A maior parte das seleções está mais ousada e equilibrada. A deficiência principal é técnica. Há poucos craques.
Alemanha, Espanha e Itália foram eliminadas na primeira fase, e a Inglaterra caiu nas quartas-de-final. Isso é mais uma evidência de que os campeonatos nacionais desses países são ótimos por causa dos estrangeiros. Isso prejudica a renovação.
Discordo do antigo conceito de que os jogadores brasileiros são indisciplinados taticamente. Isso já era. Se a situação do futebol brasileiro fosse outra, os atletas não precisariam jogar na Europa para evoluírem na parte tática. Os craques brasileiros unem a disciplina tática com a improvisação e a fantasia. Por isso são melhores.
Está ultrapassado também o conceito de que os técnicos europeus são superiores aos brasileiros. Na verdade, há poucos excepcionais técnicos aqui e no exterior. Os profissionais brasileiros de apoio aos atletas (preparadores físicos, médicos, nutricionistas, fisiologistas, fisioterapeutas e outros) também são melhores.
Após fazer o primeiro gol contra França e Portugal na Eurocopa e contra o Brasil no Mundial de 2002, a seleção inglesa, dirigida pelo mesmo técnico, foi toda para a defesa, não contra-atacou e perdeu os três jogos. Contra o Brasil, mesmo perdendo por 2 a 1 e com um jogador a mais, os ingleses continuaram na defesa. Eles só treinaram isso.
Já Scolari fez as substituições corretas e pouco convencionais, como é o seu estilo, e Portugal eliminou a Inglaterra. O famoso técnico sueco, Sven-Göran Eriksson, virou freguês do Felipão.

Visão periférica
Os técnicos, muitas vezes com razão, contestam as críticas com argumentos de que os comentaristas não assistem aos treinos. Essa é uma de nossas limitações.
Porém, pela informação dos repórteres que fazem a cobertura dos clubes, pelas imagens diárias na televisão e pelo que vejo nas partidas, parece que os jogadores quase só treinam as jogadas de bolas paradas. Essas são importantíssimas, precisam ser ensaiadas, foi uma evolução, mas há também outras maneiras tão eficientes e mais prazerosas de jogar futebol.
Além das bolas paradas e dos fundamentos técnicos (deveriam ser mais treinados nas categorias de base) é preciso ensaiar outras situações que acontecem no jogo. São inúmeras. Até o desespero no final de partida, o "abafa", deveria ser exercitado.
Todo time necessita treinar as maneiras de vencer uma retranca, como as já famosas duas linhas recuadas de quatro. Ao mesmo tempo, o treinador orienta o posicionamento dos defensores para evitar o contra-ataque.
Até as equipes mais ofensivas deveriam se preparar também para jogar na defesa. São circunstâncias de uma partida. Simultaneamente, posicionam-se os meias e os atacantes para organizarem o contragolpe.
No segundo tempo, sempre que um time está perdendo, o técnico grita na lateral para sua equipe marcar por pressão. Um jogador pressiona, e o companheiro apenas fica olhando. Não funciona. Não basta o técnico pedir. É preciso treinar essa marcação.
Percebo ainda que as equipes, em sua maioria, não sabem o que fazer quando ficam com um jogador a mais ou a menos.
Há um grande número de situações que podem ser treinadas. Quem tem de improvisar são os jogadores, em lances individuais, e não os treinadores.
Muitos técnicos vão dizer que falo o óbvio e que fazem isso de rotina. Não é o que vejo na maior parte dos jogos.
Outros técnicos vão reclamar que não há tempo para treinar. Mas há para brincar bastante de "bobinho" e outras coisas pouco importantes ou menos urgentes, como os treinos desta semana do Corinthians para aumentar a visão periférica dos jogadores. Isso leva tempo para dar resultado. O time tem urgentes prioridades. Antes de treinar a visão periférica, os jogadores precisam enxergar o que está à frente.
Os técnicos europeus, e também alguns brasileiros que copiam as coisas ruins de fora, adoram fazer treinos coletivos com as mãos, como se fosse handebol. Nenhuma explicação científica vai me convencer da eficiência desse treinamento.
Futebol se joga com os pés, com a cabeça (nos dois sentidos) e com a alma.

E-mail
tostao.folha@uol.com.br


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