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ANÁLISE
Os brasileiros da África
ANANI DZIDZIENYO
ESPECIAL PARA A FOLHA
Com o tempo, tornou-se prática mais que comum se referir
ao Brasil como o país com o segundo maior número de pessoas de ascendência africana.
Basta dizer que, embora a
alegação talvez fique devendo
em termos de precisão, ela ainda assim serve para sublinhar
as perenes ambigüidades quanto ao lugar da África continental no imaginário brasileiro. E,
por isso, a histórica partida de
hoje oferece uma oportunidade
única a africanos e brasileiros
para que considerem sua longa
e complicada relação.
Desconsideradas todas as
questões históricas, eu, por
exemplo, não pretendo assistir
ao jogo, porque tenho certeza
de que não conseguiria agüentar. Há apenas duas semanas,
quem poderia ter imaginado
uma partida entre a seleção
brasileira e Gana? Mas, no futebol, especialmente na Copa,
duas semanas podem ser um
tempo muito longo.
Meu lado otimista gostaria
de assistir -depois do jogo, claro, em videoteipe- uma partida excelente, na qual os "brasileiros da África" deslumbrassem o mundo com seu estilo
inovador, enquanto seus heróis
e modelos, os brasileiros, ascenderiam a patamares ainda
mais elevados, sem esquecer o
histórico momento de 1958.
Bem, era essa a minha sensação
até ler a Folha de sábado. Os
jogadores brasileiros, descobri,
estavam muito felizes porque
enfrentariam a seleção de Gana
-a vitória seria fácil, já que "os
africanos jogam sem disciplina". Outro artigo contemplava
uma exposição, depois da Copa, que "homenagearia a África", não a "África primitiva ou
étnica", mas a África que "influenciou a miscigenação brasileira". Deus nos poupe de
tanta besteira.
Procurando consolo na História, minhas lembranças retornaram à Copa de 1978. No
dia do jogo entre Peru e Brasil,
o rei do povo asante, Otumfuo
Opoku Ware, e sua comitiva foram recebidos no Palácio do
Planalto pelo presidente Geisel. O Brasil estava presenciando pela primeira vez o orgulho,
a pompa e o espetáculo de uma
comitiva ganense. E os visitantes, é bom lembrar, expressaram com muita clareza sua entusiástica torcida pelo Brasil.
O fascínio dos ganenses pelo
futebol brasileiro transcende
os "onze em campo" (com minhas desculpas a Edilberto
Coutinho) e o brilho das jogadas. Duas décadas antes da visita de Otumfuo -no ano que se
seguiu ao da independência de
Gana, para ser exato- os ganenses, como o resto do mundo, assistiram às imagens de
brasileiros que estavam fazendo história na Suécia, e, aos
olhos dos ganenses, muitos daqueles jogadores eram negros.
A propósito, a Copa de 1958
foi um momento de definição
em minha carreira e sobre o
que penso dela. Ver tantos negros no time brasileiro estendeu meus conhecimentos sobre a diáspora africana.
E mais um pouco de História: em 1967/1968, Carlos Alberto Parreira treinou os Estrelas Negras de Gana. Quem
sabe que efeito essa experiência possa ter exercido sobre o
seu atual estilo de trabalho.
De qualquer forma, a hora se
aproxima. Meu plano é me isolar durante todo o jogo. Não
atenderei a ninguém, e em lugar disso pretendo me acalmar
ao som de "Mo Bekae Me", de
Samuel Owusu, e "Saudades da
Guanabara", de Beth Carvalho.
ANANI DZIDZIENYO é ganense e professor de
Estudos Brasileiros da Universidade Brown, em
Providence (Estados Unidos)
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