|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
UM MUNDO QUE TORCE
Sofrendo em silêncio
Fracassos em Copas fazem uruguaios manter cautela durante jogo
FÁBIO SEIXAS
ENVIADO ESPECIAL A COLONIA DEL SACRAMENTO
Quem primeiro comenta a
serenidade do lugar é a cozinheira Sonia Montiel, talvez
a mais espalhafatosa moradora de Colonia del Sacramento: bandeira uruguaia
nas costas, chapeuzinho improvisado com azul e branco.
"Estamos a apenas 30 km
da Argentina. E vivemos do
turismo que vem de lá. Não
seria muito inteligente sair
pelas ruas fazendo aquela
festa. Pelo menos, não agora.
Vamos esperar até a final."
Javier Maciel, mais discreto, camisa da seleção sob o
casaco, dá uma explicação
menos comercial, mais sociológica. "O uruguaio torce
assim, sofrendo o tempo todo. Sabemos que temos mais
time que os coreanos, mas
não deixamos de sofrer. As
pessoas aqui, todas essas
que você vê, estão sofrendo."
É. Sofrimento não faltou.
Na 16ª parada da série
"Um Mundo Que Torce", a
Folha acompanhou ontem o
jogo de abertura das oitavas
de final do Mundial, Uruguai
x Coreia do Sul, na mais antiga cidade do país vizinho.
Para chegar a Colonia,
após 26 voos por 18 companhias aéreas em 15 dias, uma
novidade: o Buquebus, uma
balsa que liga Buenos Aires a
Colonia e Montevidéu, navegando pelo rio da Prata.
O tempo de viagem até a
cidade de 22 mil habitantes é
de uma hora. Fundada em
1680, Colonia tem seu centro
histórico tombado pela
Unesco. Daí, tantos turistas.
Menos no Centro Unión
Cosmopolita, onde trabalha
Sonia e onde Javier é um dos
sócios. É um clube de "pelota a mano", ou pelota basca.
Eram duas TVs e um telão.
Pouco antes do jogo, técnicos
instalavam caixas de som.
Que dominaram o ambiente
assim que o jogo começou
em Port Elizabeth.
"Outro problema é que
perdemos o costume de ganhar, de ir bem em Mundiais.
Por isso, também, o silêncio,
a cautela", diz Javier.
Em 2002, o Uruguai caiu
na primeira fase. Para 2006,
nem foi. E agora, 2010, só
conquistou a vaga na repescagem, contra a Costa Rica.
No primeiro gol uruguaio,
comemoração discreta. No
empate sul-coreano, aos
22min do segundo tempo, só
se ouvia um bebê resmungando no fundo do salão. No
2 a 1, aos 35min, o tom da vibração subiu um pouco. Mas
ainda havia apreensão.
O juiz apita o fim de jogo, e
só então o Centro Unión Cosmopolita festeja. Só então
grita. Só então surge o coro
de "Uruguai, Uruguai". Só
então Javier levanta, tira o casaco, expõe a Celeste.
Por toda a Colonia, o cenário é parecido. As pessoas começam a sair das casas, desfilam pela avenida General
Flores, a principal da cidade,
com motos, bicicletas, carros. A pé, que fosse. Pela primeira vez desde 1970, o Uruguai avança às quartas.
Quando a reportagem deixou o Centro Unión Cosmopolita, Javier estava na varanda, cerveja na mão, mostrando o escudo da camisa.
Buzinaço nas ruas. Rojões.
Colonia esqueceu os turistas, deixou de lado o nervosismo. Deu-se uma ensolarada e merecida tarde de folga.
Texto Anterior: Juca Kfouri: A dupla D-D Próximo Texto: Morumbi fora da Copa é bom, diz Fifa Índice
|