São Paulo, domingo, 27 de junho de 2010

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UM MUNDO QUE TORCE

Sofrendo em silêncio

Fracassos em Copas fazem uruguaios manter cautela durante jogo

FÁBIO SEIXAS
ENVIADO ESPECIAL A COLONIA DEL SACRAMENTO

Quem primeiro comenta a serenidade do lugar é a cozinheira Sonia Montiel, talvez a mais espalhafatosa moradora de Colonia del Sacramento: bandeira uruguaia nas costas, chapeuzinho improvisado com azul e branco.
"Estamos a apenas 30 km da Argentina. E vivemos do turismo que vem de lá. Não seria muito inteligente sair pelas ruas fazendo aquela festa. Pelo menos, não agora.
Vamos esperar até a final." Javier Maciel, mais discreto, camisa da seleção sob o casaco, dá uma explicação menos comercial, mais sociológica. "O uruguaio torce assim, sofrendo o tempo todo. Sabemos que temos mais time que os coreanos, mas não deixamos de sofrer. As pessoas aqui, todas essas que você vê, estão sofrendo."
É. Sofrimento não faltou.
Na 16ª parada da série "Um Mundo Que Torce", a Folha acompanhou ontem o jogo de abertura das oitavas de final do Mundial, Uruguai x Coreia do Sul, na mais antiga cidade do país vizinho.
Para chegar a Colonia, após 26 voos por 18 companhias aéreas em 15 dias, uma novidade: o Buquebus, uma balsa que liga Buenos Aires a Colonia e Montevidéu, navegando pelo rio da Prata.
O tempo de viagem até a cidade de 22 mil habitantes é de uma hora. Fundada em 1680, Colonia tem seu centro histórico tombado pela Unesco. Daí, tantos turistas.
Menos no Centro Unión Cosmopolita, onde trabalha Sonia e onde Javier é um dos sócios. É um clube de "pelota a mano", ou pelota basca.
Eram duas TVs e um telão.
Pouco antes do jogo, técnicos instalavam caixas de som. Que dominaram o ambiente assim que o jogo começou em Port Elizabeth.
"Outro problema é que perdemos o costume de ganhar, de ir bem em Mundiais. Por isso, também, o silêncio, a cautela", diz Javier.
Em 2002, o Uruguai caiu na primeira fase. Para 2006, nem foi. E agora, 2010, só conquistou a vaga na repescagem, contra a Costa Rica.
No primeiro gol uruguaio, comemoração discreta. No empate sul-coreano, aos 22min do segundo tempo, só se ouvia um bebê resmungando no fundo do salão. No 2 a 1, aos 35min, o tom da vibração subiu um pouco. Mas ainda havia apreensão.
O juiz apita o fim de jogo, e só então o Centro Unión Cosmopolita festeja. Só então grita. Só então surge o coro de "Uruguai, Uruguai". Só então Javier levanta, tira o casaco, expõe a Celeste.
Por toda a Colonia, o cenário é parecido. As pessoas começam a sair das casas, desfilam pela avenida General Flores, a principal da cidade, com motos, bicicletas, carros. A pé, que fosse. Pela primeira vez desde 1970, o Uruguai avança às quartas.
Quando a reportagem deixou o Centro Unión Cosmopolita, Javier estava na varanda, cerveja na mão, mostrando o escudo da camisa. Buzinaço nas ruas. Rojões.
Colonia esqueceu os turistas, deixou de lado o nervosismo. Deu-se uma ensolarada e merecida tarde de folga.


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