São Paulo, terça-feira, 27 de julho de 2004

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FUTEBOL

Como fala o Galvão!

MARCOS AUGUSTO GONÇALVES
EDITOR DE OPINIÃO

Galvão Bueno é um clássico. Suas narrações estão há tanto tempo e de tal forma associadas à história do esporte brasileiro que criticá-lo tornou-se um esporte à parte, do qual fui ardoroso adepto, mas, confesso, já havia abdicado. "Não vou mais me irritar", decidi de uns tempos para cá. Melhor poupar meu humor, exercitar minha santa paciência zen e conformar-me com a sonora e incontornável presença do nosso querido Magdo.
Na semana passada, no entanto, ao ler um comentário da Soninha aqui na Folha, sobre as narrações de Galvão na Copa América, identifiquei-me de tal forma que não consegui me conter.
O que torna Galvão mais criticável é o fato de ele ser a expressão verbal do monopólio das transmissões dos grandes eventos esportivos exercido pela Globo, o que dá a seu falatório um peso desproporcional. Deveria, diante de tanto poder de fogo, procurar ser um pouco menos desequilibrado. Mas, não: fala pelos cotovelos e derrama sua subjetividade ansiosa, rebarbativa e preconceituosa sobre o que estamos vendo, sem dar a mínima para o fato de que as imagens, com freqüência alarmante, não confirmam o blablablá que nos impinge.
O ápice dessa escandalosa tentativa de ignorar o que as câmeras mostram e inventar uma situação que obviamente não está acontecendo foi a tal "irregularidade do terreno" que teria enganado o goleiro Júlio Cesar no gol da seleção uruguaia. Vinha o replay, a câmera lenta, a imagem de longe, a de perto, e só o Galvão via nosso ótimo goleiro -que não parou de elogiar, inclusive como "figuraça" humana- ir certo na bola e ser ludibriado por um "montinho artilheiro".
Esse foi o caso mais patético, mas não o único. Sua incansável inclinação a "perseguir" alguns jogadores, passou dos limites. Na mesma partida contra o Uruguai, Galvão achou que tinha descoberto algo sensacional: a certa altura do início do jogo (perto dos 10min do primeiro tempo, creio), inventou que Alex ainda não havia pegado na bola. Não era uma imagem, era uma afirmação: "Ainda não pegou na bola, não pegou bola", repetia. Só que o meia -que, aliás, foi muito bem- não apenas havia pegado na bola como já fizera um belo lançamento para Luis Fabiano entrar pela meia direita, numa jogada de perigo.
O mais chato, no entanto, é a incontível e anacrônica vocação do narrador para alardear estereótipos depreciativos em relação às seleções -e por tabela ao caráter nacional- de nossos vizinhos, notadamente Uruguai e Argentina. É caso para protesto diplomático. Rixa tem limite.
Para Galvão, os caras são sempre uns maldosos, mal-intencionados, catimbeiros, criadores de caso, que jogam sujo e tentam embrulhar nossos anjinhos de verde-e-amarelo no antijogo. Haja paciência! Já passou da hora de acabar com essa bobajada provinciana, que só alimenta o lado sombrio da rivalidade esportiva e reaviva antigos preconceitos contra os quais deveríamos lutar.

Um ótimo saldo
O que seria uma competição sem muito interesse, da qual a seleção sairia com algumas experiências, mas sem o título, ganhou outro sentido. Os jogadores que levantaram essa Copa América, em condições adversas, contra um adversário tradicional, bom de bola e mais bem preparado, tiveram o caráter temperado pelo triunfo suado, o que os coloca em outro patamar. Para o trabalho de Parreira e Zagallo, não poderia ter sido mais proveitoso. Já se falou sobre os que melhor se saíram e os mais ou menos -e não parece haver muita divergência quanto a isso. Particularmente, gostei de Renato, que admiro pelo que pode representar de saneamento no terreno dos volantes. Marca na bola, vê o jogo e sabe passar -uma "avis rara".

E-mail mag@folhasp.com.br


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