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FUTEBOL
Nuvens negras
JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA
Juro que queria ocupar a coluna de hoje com uma coisa bela,
o novíssimo livro "Canhoteiro - O
Garrincha que Não Foi" (Ediouro), do jornalista e escritor Renato
Pompeu. Mas seria omissão grave
deixar de comentar as últimas
baixarias do nosso futebol.
A mais abominável foi a agressão covarde a jogadores do Coritiba por torcedores vascaínos no estacionamento do estádio de São
Januário. Não havia policiais no
local, e nenhum agressor foi punido, o que configura irresponsabilidade, para não dizer conivência,
da direção do clube carioca.
O mínimo que deveria ocorrer
agora seria a interdição do estádio para jogos do Vasco e a intimação de seus dirigentes para depor na Justiça (comum, porque a
Desportiva é piada de mau gosto).
Esse episódio lamentável, em
que o banditismo da cartolagem
se encontra com o banditismo puro e simples, não foi a única nuvem negra que pairou sobre o futebol brasileiro nesta semana.
Falou-se mais das vitórias obtidas nos tribunais do que das conquistadas dentro de campo. A bola da vez é o Goiás, que corre o risco de perder 15 pontos e ver escorrer pelo ralo dos casuísmos toda a
sua bela campanha no segundo
turno do Brasileirão.
Aludindo ao BID, o desmoralizado boletim da CBF que dá condição de jogo aos atletas, Soninha
observou aqui anteontem que a
entidade "continua incapaz de
dizer quem pode entrar em campo e quem não pode".
Pois é, Soninha, e o pior é que
começo a desconfiar que não é só
por incompetência. Essa geléia jurídica é um modo de deixar sempre aberta uma porta para a lambança, em caso de emergência.
Se um clube grande e tradicional, sócio fundador do C13, estiver na marca do pênalti para ser
rebaixado, sempre será possível
recorrer ao tapetão salvador.
Ainda mais assustadoras que a
avalanche de manobras legais
são as notícias de que a Rede Globo vai se associar aos cartolas
mais retrógrados para sabotar o
Brasileiro por pontos corridos.
É uma boa maneira de uma e
outros taparem o sol com a peneira e fugirem de sua própria incompetência.
Dirigentes como os do Corinthians e do Vasco, que desmontam seus times com uma política
desastrosa de contratações, escolheram o culpado para o esvaziamento dos estádios: o sistema de
pontos corridos.
Se os telespectadores não assistem aos quase sempre sofríveis jogos do Flamengo que a Globo tenta impingir semanalmente a todo
o país, a culpa também é dos pontos corridos.
Em vez de enxugar e fortalecer o
torneio, reduzindo paulatinamente a Série A a 20 clubes; em
vez de estabelecer que horário de
jogo noturno é 20h30, com ou sem
novela; em vez de deixar o espectador escolher o que quer ver; em
vez, em suma, de criar vergonha
na cara, o mais fácil é bombardear os pontos corridos.
Assim se perpetua o domínio da
televisão monopolista e da cartolagem oligárquica. Bandidagem
também é isso. Meus pêsames para todos nós.
Canhoteiro e nós
Sobrou um espaço para falar de
"Canhoteiro - O Garrincha que
Não Foi". O livro, que ainda
não chegou às livrarias, aborda
as relações do grande ponta-esquerda do São Paulo e da seleção brasileira com a Paulicéia
dos anos 50 e 60. É também um
livro de memórias, em que Renato Pompeu mostra que um
craque de futebol pode agir como catalisador do espírito de
um tempo e lugar. Não resisto a
citar o final: "Canhoteiro, a vida
que não foi, o Garrincha que
não foi, há de ser a vida que será, a vida plenamente humanizada, plenamente humana. E,
ainda que essa condição não seja plenamente alcançada, a memória de Canhoteiro prosseguirá enquanto houver a aspiração a uma vida de festa e não
a uma vida de dor, como a
atual".
E-mail jgcouto@uol.com.br
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