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São Paulo, sábado, 27 de setembro de 2003

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FUTEBOL

Nuvens negras

JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA

Juro que queria ocupar a coluna de hoje com uma coisa bela, o novíssimo livro "Canhoteiro - O Garrincha que Não Foi" (Ediouro), do jornalista e escritor Renato Pompeu. Mas seria omissão grave deixar de comentar as últimas baixarias do nosso futebol.
A mais abominável foi a agressão covarde a jogadores do Coritiba por torcedores vascaínos no estacionamento do estádio de São Januário. Não havia policiais no local, e nenhum agressor foi punido, o que configura irresponsabilidade, para não dizer conivência, da direção do clube carioca.
O mínimo que deveria ocorrer agora seria a interdição do estádio para jogos do Vasco e a intimação de seus dirigentes para depor na Justiça (comum, porque a Desportiva é piada de mau gosto).
Esse episódio lamentável, em que o banditismo da cartolagem se encontra com o banditismo puro e simples, não foi a única nuvem negra que pairou sobre o futebol brasileiro nesta semana.
Falou-se mais das vitórias obtidas nos tribunais do que das conquistadas dentro de campo. A bola da vez é o Goiás, que corre o risco de perder 15 pontos e ver escorrer pelo ralo dos casuísmos toda a sua bela campanha no segundo turno do Brasileirão.
Aludindo ao BID, o desmoralizado boletim da CBF que dá condição de jogo aos atletas, Soninha observou aqui anteontem que a entidade "continua incapaz de dizer quem pode entrar em campo e quem não pode".
Pois é, Soninha, e o pior é que começo a desconfiar que não é só por incompetência. Essa geléia jurídica é um modo de deixar sempre aberta uma porta para a lambança, em caso de emergência.
Se um clube grande e tradicional, sócio fundador do C13, estiver na marca do pênalti para ser rebaixado, sempre será possível recorrer ao tapetão salvador.
Ainda mais assustadoras que a avalanche de manobras legais são as notícias de que a Rede Globo vai se associar aos cartolas mais retrógrados para sabotar o Brasileiro por pontos corridos.
É uma boa maneira de uma e outros taparem o sol com a peneira e fugirem de sua própria incompetência.
Dirigentes como os do Corinthians e do Vasco, que desmontam seus times com uma política desastrosa de contratações, escolheram o culpado para o esvaziamento dos estádios: o sistema de pontos corridos.
Se os telespectadores não assistem aos quase sempre sofríveis jogos do Flamengo que a Globo tenta impingir semanalmente a todo o país, a culpa também é dos pontos corridos.
Em vez de enxugar e fortalecer o torneio, reduzindo paulatinamente a Série A a 20 clubes; em vez de estabelecer que horário de jogo noturno é 20h30, com ou sem novela; em vez de deixar o espectador escolher o que quer ver; em vez, em suma, de criar vergonha na cara, o mais fácil é bombardear os pontos corridos.
Assim se perpetua o domínio da televisão monopolista e da cartolagem oligárquica. Bandidagem também é isso. Meus pêsames para todos nós.

Canhoteiro e nós
Sobrou um espaço para falar de "Canhoteiro - O Garrincha que Não Foi". O livro, que ainda não chegou às livrarias, aborda as relações do grande ponta-esquerda do São Paulo e da seleção brasileira com a Paulicéia dos anos 50 e 60. É também um livro de memórias, em que Renato Pompeu mostra que um craque de futebol pode agir como catalisador do espírito de um tempo e lugar. Não resisto a citar o final: "Canhoteiro, a vida que não foi, o Garrincha que não foi, há de ser a vida que será, a vida plenamente humanizada, plenamente humana. E, ainda que essa condição não seja plenamente alcançada, a memória de Canhoteiro prosseguirá enquanto houver a aspiração a uma vida de festa e não a uma vida de dor, como a atual".

E-mail jgcouto@uol.com.br


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