São Paulo, domingo, 27 de outubro de 2002

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A trajetória do menino espichado que saiu de São Carlos e chegou à NBA

Maybyner, mas pode me chamar de Nenê

LUÍS CURRO
ENVIADO ESPECIAL A SÃO CARLOS

"Faço aula aqui há umas sete semanas. Gosto desse esporte. E gosto por causa do Maybyner. Ele é daqui de São Carlos, mas está nos EUA. No Denver Nuggets."
Num início de tarde ensolarado e abafado, Rodrigo da Silva Barros, 11, faz uma pausa em seu treino na Escola de Basquete Meneghelli, em São Carlos, interior paulista, para responder à Folha sobre seu interesse pelo basquete.
"Maybyner? É o Nenê? Ele tem 2,10 m, nos olha lá do alto", interrompe seu colega de aprendizado Leonardo Paganelli Meneghelli, 9, filho do dono da escola particular.
"Gosto muito das enterradas dele", completa outro aluno, Arthur Lopes da Rosa, 13.
A poucos metros, Nivaldo Carlos Meneghelli Júnior, 38, esforça-se para organizar uma fila e ensinar a 17 alunos o modo correto de se arremessar um lance livre.
"Hoje tenho 80 alunos, todos eles torcedores do Denver", diz o professor e treinador de basquete. "Mas logo deve chegar a 95, a procura tem aumentado." Há dez anos, Meneghelli teve sua época de ouro: chegou a contar com 200 alunos. Era o momento em que o Chicago Bulls, com Michael Jordan, Scottie Pippen e cia., iniciava sua dinastia na NBA, a liga profissional norte-americana.
Em um daqueles dias, recebeu para uma aula um rapaz espichado, que se apresentou ("É Maybyner, mas me chamam de Nenê") e disse que estava ali por recomendação de seu professor de educação física, que achava que ele poderia dar certo no basquete devido à precoce boa estatura.
Maybyner Rodney Hilário, apelidado Nenê ("Por seu o mais novo da família e por ter aparência de criança", explica o próprio), já tinha certa vocação esportiva, de modo que não fazia feio no futebol, judô ou atletismo. E não foi diferente no basquete, conforme logo percebeu Meneghelli: "Sempre foi solto, com prazer, vontade. Não tinha nunca medo de errar".
Os dias de basquete, porém, pareciam contados. De classe média baixa, dividindo uma casa humilde com os pais, o irmão, a irmã e a avó, Nenê, após dois meses, não tinha mais dinheiro para a mensalidade -hoje, de R$ 35.
Mas Meneghelli, sensibilizado com a empolgação do jovem atleta, conversou com os pais de Nenê e não deixou ele parar. "Falei: "Se dou aula para 200, vou dar para 201. Deixa ele aí, e vamos tocar"." Ficaram juntos até 1999, porém nunca o treinador imaginou que, uma década depois, o pupilo alcançaria o basquete mais competitivo e milionário do planeta.
"Achava que ele seria um jogador de time grande, mas a NBA é muito sério", diz Meneghelli, em uma mescla de espanto e orgulho.

Adeus Brasil
A National Basketball Association tornou-se embrionária na vida de Nenê nove meses atrás, quando José Antônio Santos, um canadense filho de portugueses, começou a colocar na cabeça do ala-pivô, e também da família dele, que a carreira nos EUA seria uma opção para o médio prazo.
Santos, 27, que acompanha o basquete brasileiro desde o início de 2000, é contato de Michael Coyne, um agente de atletas reconhecido oficialmente pela NBA.
Desiludido com o atraso de cerca de cinco meses nos pagamentos do Vasco, em março Nenê embarcou com Santos para Cleveland, Meio-Oeste americano.
Lá, ambos se fixaram, e o brasileiro começou a treinar e a se exibir para olheiros, com a intenção inicial de, com seu talento, obter uma bolsa em uma universidade.
"Ele começou a treinar bastante e ganhou massa muscular. Vários técnicos olharam para ele e disseram que poderia ter sucesso na NBA", recorda-se Santos.
Em 12 de maio, Nenê estava inscrito no "draft", a seleção de novatos para a liga norte-americana.
No decorrer do mês, continuou a se exibir em várias cidades e impressionou. "Atleticamente, ele [20 anos, 2,11 m, 120 kg, 2,26 m de envergadura, pés número 50] tem um físico diferenciado. É um jogador realmente fascinante", comentou Randy Pfund, dirigente do Miami Heat, um dos times que demonstraram interesse no brasileiro, dias antes do "draft".
O físico é justamente o trunfo de Nenê, que ainda precisa evoluir na parte técnica, diz o técnico Meneghelli. "Ele tinha dificuldade de arremesso, então pegava a bola e se virava até socar [enterrar]."
Foi com Meneghelli que Nenê aprendeu a enterrar. E o treinador não teve muito trabalho. "Falei só uma vez. Sobe, traz o aro no peito! Ele pegou fácil. Caía mesmo em cima dos caras e saía vibrando."
Nos EUA, além de intensas doses de treinamento e musculação, o brasileiro ganhou ainda mais corpo ao recorrer a suplementos alimentares. "Aqui é outra estrutura, tudo ajuda a desenvolver meu biótipo. Tenho tomado direto Myoplex, um pó [um composto rico em proteínas]", diz Nenê.
Em 26 de junho, Nenê viveu seu grande dia. Sentado nas primeiras filas da platéia do Madison Square Garden, em Nova York, ouviu David Stern, o homem-forte da NBA, anunciar: "O New York Knicks escolhe Nenê Hilário, do Brasil". Era o sétimo selecionado naquela noite, o sétimo maior novo talento da bola-ao-cesto.
Instantes depois, Nenê soube que havia sido envolvido em uma troca e que defenderia não mais o glamouroso time nova-iorquino, da Costa Leste dos EUA, mas sim os medíocres Nuggets, de Denver, no centro-oeste do país.
Ruim? Nem tanto. Menos holofotes, menos pressão, o cenário ideal para um "rookie" (estreante) desenvolver seu potencial.
Pode-se, aliás, dizer que esse grande dia, o dia em que Nenê pôs um pé no melhor basquete do mundo, foi só o primeiro de outros grandes dias em sua vida.

11 anos em 1 mês
Veio 23 de julho. E, com ele, a certeza de que não haveria um até então improvável, porém possível, revertério. Nenê assinou contrato com o Denver, pôs os dois pés no melhor basquete do mundo e se tornou um homem de US$ 6,8 milhões. É a quantia que receberá para defender a equipe pelas próximas três temporadas. Em média, serão US$ 189 mil por mês.
Com o salário no Brasil, precisaria trabalhar 136 meses, ou mais de 11 anos, para obter o que agora receberá a cada 30 dias.
A dinheirama ainda está longe de se equiparar ao que recebe o piloto de F-1 Rubens Barrichello, o esportista brasileiro mais bem pago da atualidade: cerca de US$ 8 milhões anuais na Ferrari.
Mas, com o que embolsa, Nenê já obteve um bom fôlego para fazer seus parentes se tornarem "novos ricos" em São Carlos.
Município este cuja boa parte de seus 192.923 habitantes, deverá ouvir falar com frequência, a partir desta quarta-feira, com Minnesota x Denver, estréia de Nenê na temporada da NBA, de seu mais ilustre filho no basquete.
Na pré-temporada, recuperado de uma contusão na virilha que o alijou do Mundial de Indianápolis (o Brasil ficou em oitavo lugar), ele já mostrou a que veio.
Apesar de ser opção de banco do técnico Jeff Bzdelik, atuou uma média de 25 minutos por partida, mais que qualquer outro integrante da equipe. Foi também o principal reboteiro do Denver, com média de 6,5 por partida, e o segundo maior pontuador (9,3).



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