São Paulo, domingo, 27 de dezembro de 2009

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Depois de Sydney, Atenas e Pequim, astro da seleção sobrevive de bicos

DO ENVIADO A CAMPO GRANDE

Luciano Gonçalves Rocha nasceu num Fusca, há 30 anos, quando o pai e a mãe tentavam vencer a tempo os cem quilômetros que separam Ribas do Rio Pardo de Campo Grande.
O parto complicado resultou em paralisia parcial do lado direito de seu organismo. Desde então, ele tenta se superar.
Aos dois anos, foi abandonado pelo pai, mas mantém bom relacionamento com ele até hoje. Cresceu vendo a mãe brigar para receber pensão alimentícia. "Até ameaçada de morte pelo meu pai ela foi."
A deficiência, que foi uma grande dificuldade durante a infância, Luciano tratou de transformar em vantagem.
Aos 30 anos, ele acumula um currículo raro entre atletas brasileiros. Disputou três Paraolimpíadas, ganhou medalha em duas, foi figura certa na seleção brasileira da modalidade nos últimos 12 anos. Só ficou fora de convocações duas vezes.
Tanto sucesso, porém, não resistiu a uma série de reveses e decisões equivocadas. Luciano hoje vive de favores. Depende basicamente dos bicos de motorista que a irmã consegue para ele na agência de viagens em que trabalha.
Não recebe os R$ 2,5 mil mensais a que teria direito do bolsa-atleta porque ele não enviou a documentação a tempo. Espera voltar a ganhar o benefício no ano que vem.
A casa que havia construído deixou para a ex-mulher no divórcio, há dois anos. Sobrou uma moto modelo CG125, que ele usa para ir treinar.
Hoje, mora num puxadinho de três cômodos com telhado de zinco, nos fundos de uma casa no bairro Jardim Tiradentes, periferia de Campo Grande.
Lá estão guardadas a medalha de bronze conquistada em Sidney-2000, a prata de Atenas-2004 (que ele pensou em derreter e vender, mas desistiu) e dezenas de outros prêmios e recortes de jornal.
No chão da sala, uma foto emoldurada de Luciano abraçado ao presidente Lula aguarda para ser pendurada.
"São meus dois grandes orgulhos", diz, sobre a foto com Lula e a bola vermelha que trouxe de Pequim, onde terminou em quarto lugar com a seleção brasileira paraolímpica.
Em 2002, "quando estava no auge", Luciano aceitou um convite para trocar Campo Grande pelo Rio de Janeiro. Jogou dois anos no time da Andef, que lhe pagava R$ 1.000 por mês. "Foi a melhor época da minha vida."
Recebeu uma proposta "para ganhar mais" e voltou a morar em Campo Grande. A proposta, feita pelo técnico Dolvair Castelli, nunca se concretizou. "Mas não ponho culpa nele", resigna-se. "Ele não conseguiu o patrocínio que esperava."
O fato de jogar sem receber virou um problema ainda maior a partir de 2005, quando nasceu Kauã, com o mesmo problema do pai: paralisia cerebral. O menino passou por duas cirurgias no tornozelo esquerdo e já recuperou a maior parte dos movimentos.
Foi por causa dele que Luciano não vendeu as medalhas olímpicas e guarda os recortes de jornal. "Quero que ele saiba quem foi o pai dele." (MF)


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