São Paulo, domingo, 28 de janeiro de 2007

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JUCA KFOURI

Meu vizinho Torero


Não há nada mais gostoso do que brincar com quem está perto. Mas os Estaduais estão cada vez mais longe


TRANSTORNADO com a reforma do apartamento de seu Manoel, o vizinho do apartamento de cima, que durou quatro meses, 12 dias, sete horas e 20 minutos, meu vizinho de coluna José Roberto Torero fez uma deliciosa, para variar, defesa dos campeonatos estaduais, neste espaço, na última quinta-feira.
Muitos comentaristas respeitáveis são a favor dos campeonatos estaduais. Eu não (não sou a favor nem muito respeitável). Mas adoro uma provocação e uma polêmica com gente decente e inteligente, garantia de um debate intelectualmente honesto e sem mentiras.
Certamente o barulho da reforma de seu Manoel embaralhou um pouco, somente um pouco, a bela cabeça de Torero.
Ele escreveu, com toda a razão, que o vascaíno prefere ganhar do Flamengo do que do Cruzeiro. Que o cruzeirense gosta mais de vencer o Galo do que o Internacional. Que o colorado quer muito mais derrotar o Grêmio do que o Palmeiras. E que ele fica mais feliz quando o Santos ganha do Corinthians, e não do campeão mundial Inter.
Eu também, quer dizer, eu não, ou melhor, eu concordo com o raciocínio integralmente, mas repito que o enlouquecido pequinês do apartamento 204 do prédio do Torero impediu que ele dormisse e refletisse um pouco mais, para ampliar seu leque de exemplos.
Pois pergunte se um vascaíno prefere ganhar do Madureira ou do Cruzeiro. Se um são-paulino prefere derrotar o Barueri ou o Atlético-PR. Se um cruzeirense fica mais feliz com uma vitória sobre o Grêmio ou sobre o Ipatinga. E estas são, para quem não tem vizinhos que atrapalhem o pensamento, as perguntas a serem feitas.
Porque os clássicos estaduais que fazem a alegria maior do torcedor e seus vizinhos estão garantidos duas vezes por ano nos campeonatos nacionais.
Sim, finda a reforma do seu Manoel e com a família do 204 em férias com o barulhento pequinês, Torero, rápido no gatilho como é, dirá: "Não teve Gre-Nal no Campeonato Brasileiro de 2005 nem Atlético x Cruzeiro no do ano passado". E é verdade, mas, espera-se, foram exceções.
E muito melhor que os torneios estaduais são as competições regionais, tipo Sul-Minas, Rio-São Paulo, Copa do Nordeste (que andava enchendo os cofres dos times mais populares da região), porque não só garantem os clássicos como ainda promovem outros embates entre cachorros grandes -enquanto o pequinês fica latindo.
Além do mais, lembremos, faz tempo que o Torero não pode brincar com seu Manoel.
E não apenas porque a relação ficou abalada pela reforma, pelo vazamento e pela queda dos azulejos mas também porque a Lusa não jogou contra o Santos no Brasileirão passado nem jogará neste Paulista, repleto de bicões que nada acrescentam à qualidade técnica do campeonato ou à rivalidade entre os torcedores.
Volto a concordar com Torero, no entanto, quando ele diz que damos mais valor ao que está mais perto.
O escritor russo Leon Tolstoi já ensinava que "Se queres ser universal, fala da tua aldeia", e Fernando Pessoa, como Alberto Caeiro, versejava que "O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia. Mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia. Porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia".
Pois é, queridíssimo vizinho.
O Flamengo está mais perto do Corinthians (a 429 km) que o América de São José do Rio Preto (a 440 km) ou o Marília (a 444 km), sem se dizer que tem avião a toda hora.
Eu, se fosse você, mandava o seu Manoel e o pequinês do 204 para Rio Preto e mudava de opinião.

blogdojuca@uol.com.br


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