São Paulo, Domingo, 28 de Fevereiro de 1999
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TÊNIS
Amélie Mauresmo, atleta francesa que assumiu publicamente a opção sexual, critica assédio à sua vida privada
"Olhem para o jogo", pede homossexual

JOÃO CARLOS ASSUMPÇÃO
da Reportagem Local

A tenista francesa Amélie Mauresmo, 19, notabilizou-se no Aberto da Austrália, em janeiro, não apenas por ter sido a vice-campeã de um dos quatro torneios mais importantes da modalidade, mas, principalmente, por ter assumido publicamente sua homossexualidade, levando a seus jogos a companheira, Sylvie Bourdon, 31.
A opção sexual de Mauresmo gerou assédio da imprensa e do público e comentários de duas adversárias, a norte-americana Lindsay Davenport e a suíça Martina Hingis, vencedora na Austrália e que a definiria como ""meio homem".
Em entrevista à Folha, por telefone, Mauresmo disse que ficou decepcionada com as opiniões emitidas pelas rivais e pediu que as pessoas parem de falar sobre isso.
""É algo que me diz respeito, não a elas, nem a ninguém. Não estou defendendo causa nenhuma, apenas me apresentando como sou. Preferia que falassem mais do meu tênis e menos da minha vida sexual. É como esportista que quero ser conhecida", afirmou.

Folha - Como você viu o interesse que despertou na Austrália, mais por sua opção sexual do que pelo vice-campeonato?
Amélie Mauresmo -
Eu sabia que em algum momento, quando começasse a me destacar, seria algo inevitável. Mas não esperava tanta repercussão.
Em 96, eu já havia ganho em Roland Garros e Wimbledon e terminado o ano como a campeã do mundo entre as atletas juniores.
Como profissional, tendo chegado à primeira final de um Grand Slam aos 19 anos, foi uma coisa ótima, mas, como a maioria não me conhecia e ficou sabendo que eu estava com minha namorada, houve uma repercussão maior.
Folha - Você ficou incomodada com os comentários?
Mauresmo -
Um pouco. Todos falavam da minha vida privada mais do que meu tênis. Nos próximos torneios, espero que mudem o enfoque, que me deixem em paz.
Folha - E os comentários de Davenport e Hingis? Achou-os preconceituosos?
Mauresmo -
Fiquei chateada no começo, mas depois elas se desculparam. O assunto, pelo menos para mim, acabou. Ponto final.
Folha - Então, falando sobre tênis, você esperava chegar à final no Aberto da Austrália?
Mauresmo -
Foi mais cedo do que eu esperava, porque só estou treinando há dois meses com o Christophe Fournerie, que é um grande profissional e melhorou muito meu tênis. Ele foi o responsável pelas minhas boas atuações.
Folha - Como você começou a se interessar pelo esporte?
Mauresmo -
Vendo o Yannick Noah ganhar em Roland Garros, em 83. Tinha só quatro anos, mas foi aí que decidi virar tenista.
Quando eu era pequena, costumava dizer que um dia venceria a Steffi Graf, que é uma tenista pela qual tenho muita admiração.
Folha - Como é o relacionamento com a sua família (ela tem um irmão, mais velho), você se dá bem com seus pais?
Mauresmo -
Saí de casa cedo, para treinar, tinha só 11 anos. Prefiro não entrar em assuntos familiares. É coisa minha e da minha família.
Folha - Qual foi a jogadora que você mais admirou? A Steffi Graf? E o que achava da Martina Navratilova (que também assumiu publicamente sua homossexualidade)?
Mauresmo -
Gosto de todas elas, mas quem mais me chamava a atenção, quando eu era júnior, era Gabriela Sabatini.
Folha - Você está com novo treinador há cerca de dois meses. O que pretende mudar em seu jogo?
Mauresmo -
A agressividade. Tenho de atacar mais, arriscar mais, ser mais ousada.
Folha - Você não considera seu tênis agressivo?
Mauresmo -
Não o suficiente. Jogo mais com a cabeça do que com o físico. Claro, tenho um bom físico, treino muito, seis, sete horas por dia, mas uso mais a cabeça do que o físico. Sou uma jogadora mais mental.
Nas últimas semanas, já tenho mudado um pouco, mas ainda falta muito. Sou jovem, tenho tempo.
Em um ou dois anos, espero ser mais agressiva em quadra, mas não excessivamente agressiva, porque minha característica não é essa, e nunca vai ser.
Folha - E nas horas vagas, o que você costuma fazer?
Mauresmo -
O que toda jovem da minha idade gosta de fazer. Vou ao cinema, leio, namoro... Mas infelizmente não sobra muito tempo para levar uma vida normal.
As exigências profissionais são muito grandes, você tem de abrir mão de muita coisa. Se quer ficar entre as dez mais bem colocadas do ranking, tem de estar pronta para sacrifícios. Se sonha em ser a número um, então, nem se fala.
Mas é o que eu quero fazer da minha vida. A carreira é curta, e um dia, quando eu abrir os olhos, tudo isso vai ter acabado. E aí eu vou sentir saudades.


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