São Paulo, Segunda-feira, 28 de Junho de 1999
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COPA AMÉRICA 99
O batismo de Luxemburgo



Torneio põe à prova filosofia de treinador, desgastada pela saída de cinco jogadores em apenas uma semana
ALEXANDRE GIMENEZ
JOÃO CARLOS ASSUMPÇÃO

enviados especiais a Foz do Iguaçu

Depois de sete anos sob a égide Zagallo, a seleção brasileira disputa seu primeiro torneio oficial sob o comando do treinador Wanderley Luxemburgo.
Considerado um dos três técnicos brasileiros mais vitoriosos em clubes nos anos 90 -os outros são Telê Santana e Luiz Felipe Scolari-, Luxemburgo tem, com a Copa América, torneio que começa amanhã, a oportunidade de começar a afastar o fantasma do ex-treinador do Brasil.
Único tetracampeão do mundo, duas vezes como jogador (1958 e 62), uma como treinador (1970) e outra como coordenador técnico (1994), Mario Jorge Lobo Zagallo continua fazendo sombra para o trabalho de Luxemburgo, que dá nítidos sinais de que se sente incomodado com as comparações.
A conquista do inédito bicampeonato no torneio -o Brasil é o atual detentor do título, obtido em 1997, na Bolívia- é vista como essencial para coroar o início de uma nova era no comando do time.
Como o próprio Luxemburgo gosta de dizer, a ""do profissionalismo", que substitui o período Zagallo, marcado por termos como ""amor à amarelinha", ""pra frente Brasil" e afins.
Assim que assumiu a seleção, em agosto de 1998, um mês após a derrota para a França, na final da Copa do Mundo, o treinador começou a mudar radicalmente o sistema de trabalho.
Introduziu na comissão técnica, por exemplo, duas novas funções: a de fisiologista, desempenhada por Renato Lotufo, e a de psicóloga, a cargo de Suzy Fleury.
No setor de comunicação, passou a contar com os serviços de uma empresa especializada, que acompanha as viagens da seleção com pelo menos três profissionais.
Nos treinamentos da equipe, as modificações também são visíveis. Enquanto Zagallo insistia em treinos ""ataque contra defesa", interrompendo-os em raras ocasiões, Luxemburgo costuma intervir com frequência, forçando os atletas a aperfeiçoarem os fundamentos, além de ensaiar jogadas.
Na própria aparência dos treinadores, as diferenças são grandes. Se Zagallo costumava dirigir a equipe usando agasalho esportivo e boné, Luxemburgo passou a adotar terno e gravata.
Mas, como disse o meia Leonardo, na quinta-feira, quando se desligou da seleção, ""o fato é que Zagallo foi um vencedor".
Além da Copa América na Bolívia, a primeira vez na história que a seleção brasileira conquistou o título fora de casa, ele venceu a Copa das Confederações, que Luxemburgo começa a disputar no fim de julho, no México.
Para completar, Zagallo ainda ajudou o Brasil a sair da fila de 24 anos sem títulos mundiais, ao assessorar Carlos Alberto Parreira durante a Copa do Mundo de 94, nos Estados Unidos.
E, apesar do propalado profissionalismo de Luxemburgo, o trabalho do atual treinador já começou a ser questionado, principalmente devido à conturbada preparação para a Copa América.
Depois de ter anunciado a lista dos 22 convocados para o torneio, iniciou os preparativos em Foz do Iguaçu com apenas dez atletas, já que os outros 12 só poderiam se apresentar na semana seguinte.
Desfalcado de parte da comissão técnica, inclusive de Paulo César Gusmão, o treinador de goleiros, foi obrigado a ele mesmo comandar os treinamentos de Dida.
""No Vasco, em 81, 82 e 83, quando eu era auxiliar técnico, cheguei a treinar o Mazzaropi e o Acácio", justificou-se.
Quatro dias depois de chegar a Foz, teve de dispensar o volante César Sampaio, do Palmeiras, e o meia Juninho, do Vasco, que já estavam contundidos quando foram convocados e não conseguiram se recuperar a tempo para se preparar para o campeonato.
No dia seguinte, anunciou o corte de Edílson, atacante do Corinthians, por ter feito embaixadas na final do Paulista, provocando a ira dos palmeirenses, que partiram para a agressão física.
Para seu lugar, convocou Ronaldinho, do Grêmio, que até então não estava em seus planos para o torneio, e passou a admitir até utilizá-lo como titular.
Na quarta-feira da semana passada, irritado com declarações de membros da comissão técnica -a psicóloga, por exemplo, considerou mais grave a atitude dos palmeirenses no jogo contra o Corinthians do que a de Edílson-, exigiu discurso uniforme, centralizado em sua própria pessoa.
Na quinta, foi obrigado a anunciar o desligamento de Leonardo, o atleta mais articulado do grupo, que pediu afastamento por não ter sido escolhido o capitão do time.
Na despedida da seleção, o meia insinuou não ter aprovado a filosofia de trabalho de Luxemburgo.
Antes dele, o goleiro Taffarel e o zagueiro Aldair, também campeões mundiais na Copa-94, recusaram convocações do treinador.
Sem o carisma de Zagallo, Luxemburgo chegou a dizer que não estava entendendo a razão de tantos jogadores estarem abandonando a seleção brasileira.
Para piorar, pouco mais de 24 horas depois do anúncio oficial do desligamento de Leonardo, foi a vez da saída de Carlos Germano, goleiro do Vasco.
O atleta acabou sendo cortado porque teria ocultado uma contusão da comissão técnica.
Na véspera do corte, o médico Joaquim Grava dizia que nenhum jogador do grupo preocupava clinica ou fisicamente.
A confusão na preparação da seleção em Foz começou, enfim, a preocupar a direção da Confederação Brasileira de Futebol, que considerou as atitudes de Luxemburgo arrogantes, principalmente com torcedores locais.
Depois de o técnico ameaçar fechar os treinos do Brasil se a torcida começasse a vaiar ou gritar nomes de jogadores não convocados, como os atacantes Romário e Edmundo, ou cortados, caso de Edílson, a entidade pediu para ele ir com mais calma nas declarações.
Com a crise instaurada e ciente da importância que tem a conquista do torneio para a continuação de seu trabalho, o técnico já admitiu, em caso de fracasso, levar a força máxima que tiver em mãos e não a seleção sub-23 para representar o país no México.


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